4 DE MARÇO DE 2021
55
Mas mesmo as comunidades de compatriotas não justificam tudo, Sr. Ministro. Dou-lhe este exemplo: o Reino
Unido tem uma comunidade de compatriotas seus em Hong Kong maior do que a nossa na China e não foi isso
que os inibiu de ter posições muito mais assertivas e duras relativamente ao regime chinês quando aí tiveram
lugar os eventos que todos conhecemos.
Ao invés, a Alemanha, que não tem praticamente nenhuma comunidade de compatriotas na China, tem
imensos pruridos relativamente àquilo que faz e não faz na defesa dos direitos humanos na China. Um amigo
meu alemão, que tem graça — uma daquelas exceções — costuma dizer: «Isto é política externa Volkswagen».
Tem a sua graça, mas também tem a sua tragédia aqui metida.
Portanto, se isto não é Realpolitik que estamos a fazer na União Europeia — e agora com Portugal na
Presidência preocupa-me mais —, não sei, de facto, o que é que é Realpolitik.
E, mais, a história ensina-nos que de Realpolitik em Realpolitik vamos talvez defender alguns interesses,
mas vamos, certamente, hipotecar os valores e os princípios, os tais de que falávamos na primeira ronda, o que
me preocupa. A história ensina-nos isso, e o Sr. Ministro sabe isso bem.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exato!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Por isso, vou voltar ao tema dos direitos humanos, porque penso
que foi na última ou na penúltima reunião do Consilium, portanto, do Conselho dos Negócios Estrangeiros da
União Europeia, que apanhei meia dúzia de temas, todos eles de relevância para direitos humanos ou direitos
políticos: a detenção de Alexei Navalny; Hong Kong; Turquia; Venezuela; Moçambique. Todos estes temas,
relativos a violações dos direitos humanos e dos direitos políticos, parece que dão razão ao relatório Liberdade
no Mundo, da Freedom House, que, desde 2006, mostra a democracia liberal e as liberdades em regressão no
mundo inteiro, que é, como quem diz, os direitos humanos e os direitos políticos em regressão no mundo inteiro
há 14 ou 15 anos.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr.ª Presidente, fazendo esta pergunta: o que é que
vai, finalmente, a União Europeia e a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia fazer para que
não acordemos um dia com a Realpolitik a ter-nos dado cabo dos nossos valores?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para responder.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr.ª Presidente, muito obrigado pela
oportunidade que me dá de citar Bismarck.
Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, igualmente os meus agradecimentos por essa oportunidade.
Realpolitik é uma corrente, é uma escola, em política externa, que é associada à figura tutelar de Bismarck,
o tal que dizia que havia cinco potências que contava — a Prússia, a Áustria, a Rússia, a França e a Inglaterra
— e que tudo se resumia, para os interesses da Prússia, a não deixar que houvesse constituições de três contra
dois em que eles estivessem do lado dos dois em vez de estarem do lado dos três. Isso é que é a Realpolitik.
Realismo em política externa é diferente. Realismo em política externa foi o de Churchill, quando, ao contrário
de Chamberlain, que nessa altura foi um idealista, percebeu bastante bem que a besta — a besta! — que
enfrentava não era acomodável, portanto, quando disse, em pleno blitzkrieg: «Nós não nos rendemos, e os
alemães vão-se render, porque nós não aceitamos negociar». Isso é que é realismo na política externa.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Bom exemplo!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — E é também em nome desse realismo na
política externa que a União Europeia se dotou, em dezembro passado, com o voto favorável de Portugal, de
um regime próprio por violações grosseiras dos direitos humanos, de que, aliás, a aplicação agora, no caso de
Myanmar e no caso da Rússia, é o primeiro exemplo de concretização. Também aí é realismo na política externa.