29 DE ABRIL DE 2021
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Tal discriminação é transversal a um dos grupos mais oprimidos da sociedade e assume, também, duplas e
triplas dimensões, quando se combinam fundamentos interseccionais como o género, a etnia, a religião e a
orientação sexual.
Não nos parece de todo o mais apropriado esta discussão estar confinada a uma secretaria de Estado,
quando estamos perante discriminações transversais que carecem de efetivas políticas de igualdade e é
nessa convergência que devem ser assumidas, não fazendo sentido acantonar respostas. É com isso que nos
pauta a Convenção para os Direitos das Pessoas com Deficiência e é isso que se espera de Estados
democráticos em 2021.
Estamos a falar de questões tão transversais como a violência e crimes de ódio contra pessoas com
deficiência, que também se agravaram com a pandemia. Todos sabemos que acontecem, mas estão
completamente ocultos no nosso País. É urgente acabar com esta invisibilidade, que deve ser denunciada e,
nas ocorrências, devem ser punidos exemplarmente os culpados. Bem sabemos que não acontece porque
não existem estruturas e respostas no terreno adequadas e generalizadas que permitam acolher estas vítimas
em segurança, com conforto e dignidade. É urgente pensar numa resposta.
Estamos também a falar da Lei n.º 4/2019, que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas
com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, que está a ser bastante útil, mas que,
não havendo mecanismo de monitorização, não protege nenhuma pessoa com deficiência de concursos
falaciosos e deturpados que abrem vagas mínimas de cada vez, por forma a não terem quotas a cumprir.
Estamos a falar da questão do acesso aos transportes públicos. Se nos focarmos na região da Grande
Lisboa, excecionalmente, ainda existem alguns transportes públicos acessíveis a pessoas com mobilidade
reduzida, no entanto, qualquer cidadão que adquira o seu passe não tem qualquer desconto e as
possibilidades de deslocação são muito resumidas porque a oferta é bastante escassa.
As empresas podem continuar a registar neste momento veículos e frotas que sejam inacessíveis,
independentemente do ano de fabrico dos próprios equipamentos, sejam eles urbanos ou de longo curso, e as
pessoas com deficiência continuam a ser prejudicadas no seu tempo e no seu livre arbítrio ao terem de
obedecer a marcação antecipada para, por exemplo, a circulação em comboios ou a confirmação de utilização
de elevadores, de estações ferroviárias, etc.
A Lei n.º 46/2006, que, idilicamente, proibiria e puniria a discriminação em relação à deficiência e risco
agravado de saúde, não está a ter impacto. Há dados, por exemplo, do INR (Instituto Nacional para a
Reabilitação), de 2019, que dão conta de um total de 1076 queixas apresentadas ao abrigo dessa lei. E,
dessas, apenas uma queixa culminou com a aplicação de coima, sendo considerada um processo de
contraordenação. Mais de 93 queixas foram arquivadas por falta de prova.
Pergunto: tendo em conta que estes dados são tão dissuasores para as pessoas com deficiência e que
elas não estão a acreditar no cumprimento desta lei, o que é que o Governo pondera fazer? Tem algum
planeamento para motivar as pessoas a conseguirem, concretamente, sentir-se protegidas?
Por fim, queria deixar uma referência aos Censos 2021. É de reforçar positivamente o enquadramento no
modelo social da deficiência e das questões levantadas, para aferir as diferentes limitações ou dificuldades
físicas e cognitivas dos cidadãos com deficiência. Este facto permite não ser excludente de pessoas que,
pelos mais variados motivos, não tenham a sua deficiência validada e quantificada em atestado multiúsos. Isso
é muito benéfico. É de lamentar, no entanto, que todas as perguntas que pretendem aferir esta condição
peçam aos cidadãos e às cidadãs que se refiram, facultativamente, aos seus problemas de saúde,
evidenciando, novamente, o modelo médico ainda tão enraizado na nossa cultura. Nem todas as pessoas com
deficiência padecem de problemas de saúde associados e, por isso, acreditamos que esta situação deveria
ser revista.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência.
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, queria saudá-la porque é a primeira vez que tenho a oportunidade de responder a perguntas colocadas por si.