I SÉRIE — NÚMERO 75
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O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Mário Belo Morgado): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma justiça ágil e eficiente é um pilar fundamental da vida em comunidade. Regula tensões e
conflitos sociais, garante a defesa dos direitos, liberdades e garantias, contribui para criar valor e reduzir
desigualdades e é um catalisador de inovação, transformação e desenvolvimento.
Deste modo, a eficácia da justiça assume uma dimensão de valor e princípio estruturante do Estado de
direito, considerando mesmo o Tribunal Constitucional que a exigência de celeridade processual integra o
núcleo dos interesses protegidos pela Constituição.
Até à atual crise pandémica, o sistema judicial apresentava níveis de produtividade bem positivos, em
resultado de toda uma série de reformas que têm sido implementadas. Mas, hoje, temos uma grande pressão
sobre os tribunais que têm funcionado, nos últimos 15 meses, a um ritmo bastante inferior ao normal devido às
medidas sanitárias adotadas e à suspensão excecional dos prazos judiciais.
Entretanto, o número de processos entrados vai continuar a aumentar, em especial nas áreas que
apresentam maiores conexões com as consequências económicas e sociais da pandemia. Se nada fizermos,
voltaremos a ter pendências acumuladas.
Para que a justiça esteja à altura dos desafios e das necessidades, temos de continuar a apostar, com
determinação acrescida, no único caminho possível: racionalização e modernização organizativa,
procedimentos simplificados, mais liderança e melhor gestão.
O aprofundamento do processo de transformação digital é um eixo fundamental desta estratégia, mas os
imperativos de mudança não se esgotam aqui, pois a eficácia da justiça também se joga noutros planos
estruturantes, como é o caso, sobretudo, das leis de processo.
Identificados os principais fatores de bloqueio e morosidade mais gritantes, com a proposta de lei que aqui
apresentamos visa-se agilizar a tramitação, eliminar atos redundantes, inúteis ou sem valor acrescentado,
suprimir intervenções não essenciais e clarificar alguns pontos geradores de dúvidas e controvérsias
jurisprudenciais que estão na base de muitos recursos para os tribunais superiores. Ao mesmo tempo, tivemos
a preocupação de não comprimir garantias processuais respeitando todos os princípios fundamentais da
ordem jurídica.
Do conjunto desta proposta de lei, que também altera algumas normas do Código do Registo Predial, do
regime da propriedade horizontal e do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, destacaria as seguintes
medidas: agiliza-se o regime da prova pericial nas situações em que o juiz, após os articulados, possa
conhecer do mérito da causa ou deva apreciar exceções dilatórias; limita-se a obrigação de realizar audiência
prévia aos casos em que as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre tais questões. Assim
se evitam diligências não essenciais e deslocações aos tribunais que devem limitar-se ao necessário, em
especial numa conjuntura pandémica.
No entanto, quanto a este ponto, será conveniente clarificar que o juiz poderá sempre convocar esta
diligência se o entender necessário ou conveniente.
Estende-se ainda a possibilidade de dispensa de audiência prévia quando a sua finalidade seja apenas a
programação de audiência final e, para evitar o injustificado arrastamento do processo, não poderá ter lugar
mais do que uma vez. Pela mesma razão, limita-se a tentativa de conciliação, impedindo-se, nomeadamente,
que possa ser suspensa ou realizar-se mais do que uma vez.
Consagra-se o limite de três testemunhas por cada facto, sem prejuízo de poderem ser inquiridas mais se o
juiz o entender necessário, sendo certo que a generalidade dos sistemas jurídicos dá ao juiz a possibilidade de
dispensar provas quanto aos factos já suficientemente esclarecidos.
É estimulada e alargada a possibilidade de as testemunhas prestarem depoimento por escrito,
nomeadamente em caso de acordo das partes. É um modelo muito utilizado noutros sistemas,
designadamente em França, com reconhecidas vantagens ao nível da celeridade, mas que, entre nós, tem tido
utilização muito residual.
Nos casos de menor complexidade, a sentença poderá ser sumariamente fundamentada e ditada para a
ata. Quanto aos recursos, entre outros aspetos, clarificam-se os ónus do recorrente que impugna a decisão de
facto e reconhece-se ao juiz relator a faculdade de decidir liminarmente essa impugnação, se o recorrente não
identificar de forma convincente o erro na apreciação da prova.
É ainda conferida ao juiz relator a faculdade de decidir sumariamente o recurso se for manifestamente
infundado ou quando a questão já tenha sido julgada de modo uniforme e reiterado.