I SÉRIE — NÚMERO 81
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Os desafios provocados pela pandemia são enormes e a resposta a essa pandemia vai ser determinante para
a forma como iremos sair da crise económica e social que estamos a atravessar.
Meses de anúncios sobre a chamada «bazuca europeia» culminaram na apresentação de um plano de
recuperação e de resiliência bem diferente desses anúncios. Já o disse na semana passada, mas neste
debate é ainda mais premente dizer que o investimento público é um motor essencial do crescimento
económico. Porém, depois das várias respostas do Sr. Ministro, não nos parece que seja exatamente a isso a
que estamos a assistir com o PRR.
É importante olharmos para determinadas áreas consideradas agendas mobilizadoras ou com outro nome
pomposo que se lhe queira dar. Em primeiro lugar, quanto à eficiência energética e ao combate à pobreza
energética, no dia 22 de junho, o Governo, com a presença do Primeiro-Ministro e do Ministro do
Planeamento, teve uma ação de divulgação e lançamento de alguns programas do PRR, entre eles o da
eficiência energética, já tendo avançado parte das candidaturas. Disse-se, então, que, só para edifícios
residenciais, o PRR vai disponibilizar 300 milhões de euros. Aparentemente, isto é bom.
Seria bom, mas quando analisamos melhor o Programa percebemos que o mais certo é esse dinheiro não
chegar a quem sofre, de facto, a pobreza energética. Por um lado, 130 dos 300 milhões serão gastos através
dos chamados «cheques» ou «vales-eficiência» já anunciados, com uma previsão de 100 000 cheques,
embora não se conheçam os critérios de atribuição, mas, mesmo que eles sejam atribuídos a agregados
vulneráveis, isso não é suficiente. E isto não dizemos nós, diz o Governo, na página 32 da Estratégia de
Combate à Pobreza Energética, onde admite que, no nosso País, estarão cerca de 700 000 pessoas em
pobreza severa. Portanto, não é suficiente.
Por outro lado, o restante valor destes 300 milhões está assente no Programa de Apoio a Edifícios Mais
Sustentáveis, cujo regulamento deixa claro que estamos perante um programa contra fatura, ou seja, a pessoa
tem o gasto com a janela ou com o isolamento térmico e depois é reembolsada em 85%. Fica a pergunta: isto
é mesmo para combater a pobreza energética?
Uma pesquisa rápida permite perceber que, por exemplo, com a troca para janelas eficientes dentro dos
parâmetros pedidos, com dimensões mínimas e num número de apenas quatro, o valor pode rondar os 550 €.
Uma família que dependa de pouco mais do que o salário mínimo, por exemplo, terá uma escolha mesmo
muito difícil a fazer. Por isso, a camada da população com menores rendimentos não pode fazer este tipo de
despesa, pelo que fica excluída da medida.
De novo, os grandes anúncios devem ser bem explicados quando, depois, não correspondem a uma
necessidade para a qual o Bloco de Esquerda tem alertado: a necessidade de combater a pobreza energética.
Uma outra área relevante é a da saúde e, aqui, a nossa preocupação também é grande. Como sempre,
temos ouvido os profissionais de saúde, também sobre estes anúncios, e há receios fundados de que as tais
contrapartidas ou condicionalismos façam parte da moeda de troca para a vinda do PRR em projetos de
saúde. Mas vamos por partes.
Por um lado, continua a falar-se em mais equipamentos, necessários e importantes, mas não se fala em
mais profissionais.
Ora, não podendo haver reforço de profissionais com o PRR, o que na área da saúde é um ponto central,
então o que vai acontecer aos meios e equipamentos novos? Quem os vai operar? Vai ser tudo mais tarde
contratualizado com os privados ou vai ser totalmente privatizado? O que é que vai acontecer e como é que,
não havendo profissionais, se vão utilizar estes novos equipamentos?
Por outro lado, nos documentos, primeiro escondidos e depois divulgados, em que o Governo se
compromete com uma série de medidas para aceder ao PRR, lê-se, na parte relativa à área da saúde, o
seguinte: «Atualização das redes de referenciação para as várias especialidades hospitalares, da
reconfiguração das carteiras de serviços dos hospitais e do reforço do modelo de organização de urgência
metropolitana». Esse modelo de urgência metropolitana, sempre que é apresentado, envolve o encerramento
de urgências hospitalares já existentes, e a reconfiguração da carteira de serviços, sempre que é colocada em
cima da mesa, é para concentrar determinadas especialidades em apenas alguns hospitais.