12 DE NOVEMBRO DE 2021
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incompetência por não ter sido o próprio Governo a tomar a iniciativa de fazer cessar a vigência da lei após o
fim do estado de emergência ou a percentagem de vacinação suficiente.
A falta de uma cultura de responsabilização está na origem da profusão destes casos de incompetência, e
é também por isso que os dias deste Governo estão contados.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A lei que aqui hoje está em debate foi aprovada há ano e meio. O País lembra-se bem do alarmismo incendiário da extrema-direita que
gritava aos sete ventos que vinha aí uma onda do que chamou «bandidos postos na rua», homicidas,
violadores, agressores de todos os tipos — a violência bárbara ia tomar conta do País.
Ano e meio volvido, a mentira grosseira desse alarme está à vista de toda a gente. Dos cerca de 3000
reclusos que viram o seu tempo de encarceramento diminuído, e dos quais 2000 ficaram em prisão
domiciliária, foi inequivocamente residual o número de reincidências ou de desobediência às condições
impostas pelas autoridades — 1,8%.
Mas, mais do que tudo, a lei cumpriu o seu propósito essencial, humanitário e de saúde pública. Foi uma
medida sensata e prudente para, num tempo que começou quando a vacinação não estava sequer em curso,
prevenir contágios em larga escala, que teriam tido efeitos letais absolutamente catastróficos. Fizemos bem,
todas e todos aqueles que quisemos que esse passo fosse dado. Chegamos aqui de consciência tranquila por
termos protegido muitas vidas humanas.
Aplausos do BE e do PCP.
A razão de ser desta lei não foi só de saúde pública nem foi só de política penitenciária. Foi claramente de
cruzamento entre ambas. Ou seja, a emergência de saúde pública nas prisões causada pela COVID foi
dramática, porque as prisões são pouco mais do que mega armazéns onde a sociedade está a amontoar
gente, deixando-a ali a vegetar, sem projeto nem horizonte.
Podem os governos — este como os anteriores — martelar as estatísticas para demonstrar que não há
sobrelotação em sentido técnico. Mas, por mais que se martelem as estatísticas, não há como negar a
imensidão dos números. Como lembra a Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos, que foi galardoada com o
Prémio de Direitos Humanos desta Casa, nos últimos 20 anos a população prisional variou entre um mínimo
de 10 807 reclusos, em 2008, e um máximo de 14 284 em 2013, sendo o valor, em 2020, de 11 412 pessoas.
Por mais que se martelem as estatísticas, não há como negar as celas exíguas com três e mais reclusos ou
aquelas em que subsistem as camaratas.
Por mais que se martelem as estatísticas, não há como negar que Portugal é um dos países da União
Europeia com uma maior taxa de encarceramento e com um maior tempo médio de cumprimento de pena.
Mais, encarceramento e prisão longa para criminalidade menor acumulada de gente jovem e pobre, desde a
condução sem carta ou o não pagamento de multa, em contraste com a lassidão cúmplice com que se tratam
os banqueiros que fogem ou os autores de gestão criminosa de bancos, que ficam subitamente atacados por
amnésias e outras patologias cognitivas graves.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Muito bem!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Foi por termos um sistema prisional assim, armazém de gente inerte e supérflua, por isto, que é uma vergonha para uma sociedade decente e para um Estado de direito que se leva
a sério, que o risco de contágio da COVID se tornou tão dramático em 2020. Foi a combinação destas duas
razões que tornou irrecusável a lei excecional que então aprovámos.
Uma sociedade que amontoa, longe da vista, pessoas privadas de liberdade e uma democracia que exibe
indiferença perante o incumprimento diário dos mais básicos direitos em ambiente prisional e perante o
definhamento de qualquer estratégia consistente de reinserção social, uma sociedade e uma democracia
assim são produtores de indignidade e de exclusão social.