I SÉRIE — NÚMERO 23
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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, a Sr.ª Deputada Dora Brandão.
A Sr.ª Dora Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Partido Socialista, saúdo a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues pela apresentação do projeto de lei em discussão.
Esse projeto — e a minha intervenção vai nesse contexto — propõe que se alterem os artigos 387.º, 388.º e
388.º-A do Código Penal, introduzindo a expressão «vertebrado» à frente da designação de «animal»,
substituindo a que está em vigor, que é «animal de companhia». Por outro lado, consequentemente, elimina e
revoga o artigo 389.º do referido diploma legal.
Esta proposta legislativa altera significativamente o bem jurídico a proteger, faz tábua-rasa das exceções
excluídas do conceito de crime na redação atual, nomeadamente a utilização de animais para fins de exploração
agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como os factos relacionados com a utilização dos animais para fins
de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos, excecionados neste artigo.
Considerando que o Código Penal deve assentar nos valores fundamentais da comunidade, nas molduras
penais que espelhem a hierarquia dos valores que subjazem à sociedade, no status quo, na consciência coletiva
prevalecente, pois é aqui que reside a sua aceitação e legitimação, promovendo a paz social e não uma
turbulência coletiva, como esta proposta viria trazer.
A minha pergunta, que deixo no ar, é a seguinte: que respostas tem a Sr.ª Deputada para salvaguarda destas
atividades, previstas neste artigo 389.º, e que são extremamente importantes em termos de sociedade?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O bem-estar animal é um tema que suscita debates longos e apaixonados. Envolve, ainda, a pulsão para ideias feitas e caricaturas pouco
elaboradas. Assistir ao debate sobre que deveres devemos ter perante os animais é assistir à história a repetir-
se vezes sem conta. Volvendo a 1995, já tínhamos, no projeto de lei que instituía o crime de maus-tratos a
animais, a proibição de tiro ao pombo ou da corrida de galgos, por exemplo, temas que recorrentemente aqui
discutimos e que já há quase 30 anos — atenção! — se entendia serem anacrónicos.
Essa discussão foi iniciada, Sr.as e Srs. Deputados, em 1985, 10 anos antes da aprovação dessa lei, e levou
esses 10 anos a dar algum fruto. Dessa discussão permaneceu a primeira lei, que reconhecia a existência de
maus-tratos a animais de companhia e a necessidade da sua proteção, mas foram necessários mais quase 10
anos para que esse conceito fosse incluído no Código Penal, desta feita uma petição, com um projeto legislativo
em anexo, que solicitava que se instituísse um regime de proteção dos animais sencientes, mais uma vez.
Esse projeto de lei, apresentado por mais de 40 000 cidadãos e cidadãs, dispunha muito mais do que o que
se consagrou em 2014. E dispunha precisamente o que hoje, aqui, novamente discutimos: que a lei não pode
apenas proteger de maus-tratos os animais domésticos ou de companhia, porque todos eles são alvo de maus-
tratos, sejam de companhia, sejam outros animais.
Em 2020 foi também isso que o Bloco de Esquerda voltou a referir e em que insistiu. E voltamos, mais uma
vez, a insistir hoje: passados tantos anos, e depois do que já sabemos cientificamente sobre o sofrimento e a
dor dos animais, não faz sentido que continuemos a achar que se deve uma proteção especial a um tipo de
animais e que devemos retirar essa proteção para os restantes.
Em agosto de 2020, o Bloco de Esquerda não subscreveu o texto conjunto que o PAN, o PS e o PSD
subscreveram relativamente às alterações feitas à lei sobre os maus-tratos de animais, precisamente porque
não concordámos com que esta Assembleia da República aprofundasse essa diferença, apenas mantendo a lei
dos maus-tratos para os animais domésticos. O nosso projeto ia mais longe. Continuamos a dizer que deve ir
mais longe e que não só era essencial a clarificação de aspetos da lei, como de facto era e ainda é, assim como
é fundamental também o seu aprofundamento.