I SÉRIE — NÚMERO 36
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É preciso dizer que este aumento de preço tem um carácter especulativo e só vai beneficiar os lucros
milionários das petrolíferas, se não houver a coragem política para enfrentar os grandes interesses.
As medidas apresentadas pelo Governo são insuficientes quer porque, do ponto de vista fiscal, ficam
aquém daquilo que era necessário, quer também porque, sem regular os preços, nada garante que qualquer
alívio fiscal não seja total ou parcialmente absorvido pelas petrolíferas, limitando os efeitos reais que têm no
preço que é pago pelos consumidores.
O problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: a cotação internacional, as margens e
a fiscalidade.
Começando pelas cotações internacionais, porque é aí que está a origem deste brutal aumento, é preciso
questionar este modelo, baseado nos índices Platts da Praça de Roterdão, um índice construído por uma
consultora privada, a partir de informações dadas pelas próprias petrolíferas, sem qualquer escrutínio, e que
determina o tal preço de referência.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — É por causa deste sistema de cotações especulativo que temos este absurdo: o preço do petróleo aumenta num dia e, logo a seguir, aumentam os preços dos combustíveis,
quando esses combustíveis foram já refinados há meses, com o preço do petróleo muito abaixo do preço
atual.
Depois, temos também as margens. A comunicação da Entidade Nacional do Setor Energético (ENSE) do
passado mês de julho é clara: em 2020 e 2021, as margens das petrolíferas foram em média superiores às de
2019, atingindo o máximo no período analisado por aquele estudo da ENSE.
Diz ainda a ENSE que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, em julho, e que,
entretanto, se tem vindo a agravar.
Basta pensarmos: como é possível que, quando o barril de petróleo atingiu o seu valor máximo histórico,
que foi em julho de 2008, acima de 140 dólares, o gasóleo era vendido a 1,41 € o litro, e agora, que o petróleo
chegou a 130 dólares e não a 140, no dia 7 de março, o gasóleo está a ser vendido quase a 2 € o litro?!
Há aqui quem esteja a ganhar — e muito! — à custa desta especulação.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Neste momento, a Galp está com margens de refinação na ordem dos 9,8 dólares por barril de petróleo refinado, quando o normal nos períodos homólogos do ano anterior era de 2 ou 3
dólares, chegando, em alguns períodos, a 7 dólares.
Regista-se uma margem de refinação de 9,8 dólares por barril, em março, face a margens de 3,6 dólares
no mês de fevereiro. Tendo em conta que em Sines são refinados cerca de 300 000 barris por dia, isso dá
cerca de 1,8 milhões de euros por dia de ganho suplementar, a que se junta, depois, a margem comercial
grossista e os ganhos da própria exploração de petróleo da Galp. Portanto, quem paga este negócio é sempre
o povo português.
O Governo tem instrumentos, aprovados nesta Assembleia da República, para intervir sobre as margens,
mas até agora nada fez nesse sentido. E só não tem os instrumentos mais céleres, que o Sr. Ministro há
pouco referiu, porque rejeitou a proposta do PCP, apresentada em setembro, que propunha também um
regime de preços máximos, sem esses mecanismos protelatórios que o Sr. Ministro agora referiu.
Por fim, refiro-me à fiscalidade, que representa um enorme peso sobre os consumidores portugueses.
Nessa matéria o PCP tem defendido o fim do chamado adicional ao ISP, criado pelo Governo em 2016, e o fim
da dupla tributação do ISP em sede de IVA. Não faz sentido nenhum que o IVA incida sobre o combustível,
mais o ISP, o que significa que é um imposto que paga imposto e essa dupla tributação tem de acabar.
A solução imediata é a conjugação destas medidas fiscais com a atuação sobre as margens e o preço
máximo, para garantir que as medidas fiscais não caem «em saco roto».
Hoje estamos a tratar de respostas de emergência. Mas esta situação é mais uma vez reveladora da falta
de uma política energética soberana que sirva o País.