16 DE DEZEMBRO DE 2023
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Liberal não aceitar arrastamentos com a sua iniciativa, é um direito e, como tal, tem de ser respeitado, no entanto, o exercício desse direito não pode deixar de ter uma leitura política.
Ora, essa leitura política é a segunda observação que queremos fazer. Para além da intempestividade deste agendamento, não é razoável pensar na aprovação de uma lei eleitoral para a Assembleia da República que altere a configuração dos círculos eleitorais, uma matéria que, como se sabe, implica uma maioria qualificada de dois terços dos Deputados, sem que essa aprovação seja precedida de um debate amplo e participado, no qual estejam presentes as várias alternativas que possam ser apresentadas. Nada disso acontece e, por isso, o PCP só pode votar contra o projeto de lei da Iniciativa Liberal, desde logo pelas circunstâncias em que surge agendado, mas também, como diremos adiante, pelo seu próprio conteúdo.
Srs. Deputados, o PCP não é contra a criação de um círculo nacional de compensação nas eleições para a Assembleia da República. A Constituição prevê essa possibilidade e o PCP também o propôs, quando, em 1998, apresentou o seu próprio projeto de lei eleitoral nesse sentido.
Havia, contudo, uma diferença fundamental em relação ao projeto de lei da Iniciativa Liberal: é que o projeto de lei do PCP fazia corresponder os demais círculos eleitorais ao mapa das regiões administrativas, que se encontrava em debate por essa altura e que faria com que os atuais 18 círculos eleitorais do território nacional passassem a ser apenas 10, o que colmataria o défice de proporcionalidade que o círculo nacional introduziria nesses círculos.
Também aquando da introdução de um círculo regional de compensação nas eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, embora de muito menor dimensão relativa, o PCP votou favoravelmente essa criação.
Importa reconhecer que, embora a Constituição — e bem! — determine que o sistema eleitoral para a Assembleia da República é de representação proporcional e proíba a existência de uma cláusula-barreira, ou seja, a exigência de uma percentagem nacional mínima para a eleição de Deputados, o facto é que o grau de proporcionalidade do sistema tende a ser muito reduzido, beneficiando claramente os maiores partidos.
E isto decorre de vários fatores, desde logo, o facto de, segundo a lei eleitoral, a distribuição do número de Deputados pelos círculos eleitorais do território nacional ser feita através da aplicação do método de Hondt, quando isso não decorre obrigatoriamente da Constituição.
O que diz a Constituição é que o método de Hondt é obrigatoriamente aplicado para a conversão de votos em mandatos. Sendo o método de Hondt, reconhecidamente, um dos menos proporcionais dos métodos proporcionais, nada impediria a aplicação de um método mais proporcional para a distribuição dos Deputados a eleger pelos vários círculos do território nacional.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora bem! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — E, neste ponto, poderíamos convergir com aquilo que é proposto pela Iniciativa
Liberal, mas é incontornável que o maior problema para a proporcionalidade do sistema eleitoral é o que decorre das assimetrias regionais.
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — A ausência de políticas de desenvolvimento regional equilibrado do País tem
levado a que regiões do interior percam população, em contraste com as regiões do litoral. Os efeitos desse desequilíbrio na representação eleitoral é a concentração dos Deputados a eleger em
grandes círculos como Lisboa e Porto e, em menor grau, Braga, Aveiro e Setúbal, havendo cada vez mais círculos no interior do País a eleger um número exíguo de Deputados. Há círculos eleitorais — e são cada vez mais — a eleger dois ou três Deputados, como aqui já foi dito, que representam, na prática, verdadeiras cláusulas-barreira no âmbito regional, onde é necessária uma percentagem de votos muito elevada para eleger Deputados, levando assim a que centenas de milhar de votos sejam desperdiçados, na medida em que não contribuem para a eleição de quaisquer Deputados.
Só que este problema não decorre, efetivamente, do sistema eleitoral, mas da ausência de desenvolvimento do interior do País, e essa ausência de desenvolvimento não se resolve com a alteração do sistema eleitoral.