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II SÉRIE — NÚMERO 76
da empresa [artigo 13.°, n.° 2, alínea d), do diploma citado], não podendo, contudo, ultrapassar-se a taxa máxima de autofinanciamento bruto aprovada pelos Ministros do Plano e da Tutela e das Finanças. Julgaram os redactores destas disposições terem conseguido, desta forma, um ponto de equilíbrio entre as legítimas pretensões das empresas a reterem todos ou uma parte dos excedentes conseguidos para os afectarem ao financiamento dos seus próprios investimentos e o direito que assiste ao Estado de não só receber uma certa remuneração pelos capitais que facultou às empresas públicas, mas também em chamar a si uma parte adicional dos excedentes obtidos pelas empresas mais rentáveis para financiar os investimentos das outras empresas do sector público. Nesta medida, o Estado, quer tais fundos entrassem no Orçamento Geral do Estado, quer fossem canalizados para um fundo criado especialmente para esse efeito (o Fundo Nacional de Desenvolvimento Económico, a que se refere o Programa do Governo), funcionaria como placa giratória da acumulação de capitais conseguida no âmbito do sector público empresarial.
Não se impor uma remuneração obrigatória aos capitais fornecidos pelo Estado às empresas públicas (dotações para capital estatutário) porque se considerou que, sendo o capital estatutário o correspondente ao capital social das empresas privadas, constituindo, por assim dizer, o «capital de risco», por oposição aos capitais obtidos por via de empréstimo, que têm obrigatoriamente de ser reembolsados e vencem juro fixo, aquele só deveria envolver o pagamento de uma remuneração ao Estado, nas mesmas condições em que as sociedades distribuem dividendos, isto é, quando há lucros suficientes e não se considera mais oportuno levá-los a conta nova.
O Decreto-Lei n.° 75-A/77, de 28 de Fevereiro, vem a adoptar uma solução diferente. Os capitais estatutários são obrigatoriamente remunerados a uma taxa fixada nos contratos-programa que as empresas subscreveram ou, na falta desses contratos, a uma taxa igual à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em 31 de Dezembro do ano correspondente ao exercício a que a remuneração se refere (artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 75-A/77, na redacção que lhe for dada pelo Decreto-Lei n.° 325/77, de 8 de Agosto), ou seja, no ano corrente, 13 °lo (aviso n.° 9 do Banco de Portugal, publicado no Diário da República, 1.º série, de 29 de Agosto de 1977). A remuneração será paga por conta do lucro liquido da empresa, sem prejuízo do pagamento dos impostos devidos sobre o mesmo lucro (artigo 3.°, n.° 1). Mesmo que não existam lucros suficientes para o pagamento da remuneração referida, os Ministros do Plano e das Finanças, ouvido o Ministro da Tutela, poderão determinar o pagamento pela empresa, no todo ou em parte, da remuneração devida. O n.° 4 do artigo 3.° manda que as empresas constituam uma reserva para remuneração do capital estatutário, em cuja conta serão escriturados os excedentes ou outros fundos que lhe sejam destinados, «bem como os valores devidos nos termos do número precedente», parecendo resultar da expressão entre comas que a parte da remuneração não satisfeita num exercício, por insuficiência dos lucros conseguidos, deverá ser escriturada a fim de ser liquidada em anos futuros (sem que se estabeleça qualquer prazo de prescrição!).
Há que reconhecer que esta exigência não é minimamente razoável. Uma remuneração obrigatória do capital estatutário à taxa de 13 % (para já, uma vez que tudo indica que a taxa básica de desconto do Banco de Portugal vai subir consideravelmente, na sequência das negociações com o Fundo Monetário Internacional) é manifestamente incomportável para a maioria das empresas públicas portuguesas. É preciso não esquecer que a quase totalidade das empresas públicas ou resultaram da reestruturação de todo o sector industrial (Cimpor, Portucel, Petrogal e as empresas que vão resultar da reestruturação dos sectores aduaneiro e químico) ou terão de superar problemas herdados do passado e, ao mesmo tempo, fazer vultosos investimentos (Siderurgia Nacional — plano siderúrgico) ou, dependendo fortemente dos mercados externos, são afectadas pelas crises que afectam esses mercados (Setenave) ou ainda actuam em sectores que, em quase todos os países, são tradicionalmente deficitários (empresas de transportes marítimos ou ferroviários) ou que, por razões particulares da nossa história recente, o terão de ser temporariamente (TAP, em consequência da perda das rotas coloniais). Isto para não falar das empresas nacionalizadas do sector das pescas ou da comunicação social, cujas dificuldades são por de mais conhecidas.
É de notar que, antes do 25 de Abril de 1974, durante a «febre da bolsa» eram raras as empresas privadas com cotação na Bolsa que distribuíam dividendos a uma taxa equiparável à fixada no diploma em apreço. Acrescenta-se também que, em França, a remuneração fixa exigida pelo Estado pelas «dotations em capital» concedidas às empresas públicas varia entre 1 % e 5 °lo, consoante as empresas.
Não se diga, em defesa do diploma em análise, que a taxa prevista no seu artigo 2.° só tem aplicação nos casos em que não existam contratos-programas, cabendo a estes fixar as taxas efectivas para as varias empresas. Em primeiro lugar, um contrato-programa, para que mereça essa qualificação, não é um documento que possa ser elaborado de um momento para o outro. Exige estudos muito demorados e, sobretudo, pressupõe uma prévia reorganização das empresas a que se irá aplicar, quer sob o ponto de vista das estruturas administrativas quer dos métodos de gestão, uma vez que a celebração dos contratos-programa têm sempre uma consequência, um aliviamento das tutelas governamentais sobre as empresas públicas. Acresce que, em relação a certas empresas públicas que produzem principalmente para os mercados externos, se toma especialmente difícil fixar num documento com uma vigência, um princípio plurianual, os parâmetros que deverão enquadrar a sua gestão financeira (exemplo, Setenave). Em segundo lugar, se se admite que nos contratos-programa se venham a fixar taxas inferiores para a remuneração obrigatória dos capitais estatutários não se vê que sentido é que faz fixar, como regra, a taxa absolutamente irrealista de 13 °lo.
Se se entender que há vantagem em fixar uma remuneração obrigatória (devida quer haja quer não haja lucros) a pagar ao Estado pelas empresas públicas relativamente aos seus capitais estatutários, a fim de que estas não considerem como «gratuito» o capital que lhes é proporcionado pelo Estado, essa remuneração fixa e obrigatória deverá ser definida a ura nível baixo — entre 1 % e 5 %, como em França —.