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3 DE ABRIL DE 1979

1076-(109)

O referido tribunal certificou o seguinte:

Procedeu-se ao julgamento com a observância das formalidades legais e da discussão da causa provou-se que várias pessoas mexiam nas laranjas, pelo menos cinco, que a contagem não foi feita na presença do réu e que uma das pessoas que mexeu nas laranjas foi um tal ... que andava de relações cortadas com o réu. Nenhuma testemunha garantiu que o réu se tivesse locupletado com o dinheiro das 741 laranjas. Nestes termos, julgo improcedente a acusação e consequentemente absolvo o réu e mando-o em paz e liberdade.

d) A pedido do arguido foi autorizada a revisão do processo disciplinar por despacho ministerial de 1 de Fevereiro de 1963.

Afirmou no relatório respectivo o instrutor que os factos em que o tribunal baseou a absolvição eram conhecidos dos processos de inquérito e disciplinar a que aquele fora sujeito, mas não fora dada a essas «circunstâncias a valoração adequada e merecida». E conclui:

Dando-se como não provadas e improcedentes as acusações formuladas contra o reclamante e relacionadas com a pesagem do pão em 1955 e 1958 e com a falta de laranjas, convém julgar procedente a revisão e assim revogar o despacho de S. Ex.a o Ministro da Saúde e Assistência, datado de 27 de Novembro de 1961, na parte em que aplicou ao ... a pena de demissão do cargo de servente dos Hospitais da Universidade.

Não deixou de ser estranhâvel que um mesmo quadro factual servisse tão desencontradas conclusões, variáveis de processo para processo, de instrutor para instrutor. Se havia legítimas dúvidas quanto à reconstituição do que efectivamente aconteceu, se se constatou a impossibilidade de as desfazer (face a «blocos» antagónicos que se atêm coerentemente à sua versão dos acontecimentos), poderia haver ainda assim fundamento para condenação disciplinar do arguido, mas já não seria justo que se lhe aplicasse, de ânimo leve, a mais pesada das sanções.

Na verdade, o não apuramento do que na realidade se passou não pode, por exemplo no caso das decisões judiciais, obstar a que se julgue.

A tal servem as regras do ónus da prova. Regras que levaram, no caso concreto, à absolvição do réu em tribunal. Melhor prova não se fez no processo disciplinar (note-se que para o primeiro instrutor qualquer dos funcionários que trabalhavam na despensa pode ter feito o desvio da fruta; para o segundo, guiado por mera convicção subjectiva, o reclamante é culpado e o participante e as suas testemunhas são merecedoras de confiança em função de uma actuação psicologicamente mais adequada no processo; para o último, subsistem as maiores dúvidas quanto aos responsáveis e aos motivos do desaparecimento das laranjas).

Não obstante, sendo o estatuto disciplinar regido por outras linhas mestras, ao arguido poderia talvez ser assacada responsabilidade por negligência (ele não conferiu a fruta comprada, procedimento, aliás, habitual, pois os vendedores costumavam mandar

sempre unidades a mais; assim havia sempre um saldo real superior ao número escriturado, só estando em causa no processo aquele, pois este último estava certo).

De jure constituendo várias considerações pareceram oportunas, desde logo, quanto ao desrespeito aqui verificado do princípio in dúbio pro reo. Igualmente condenável pareceu o facto de tirar da aplicação de penas disciplinares consequências mais ou menos gravosas em matéria de segurança social, que àquela è, ou deve ser, totalmente alheia. Os direitos que os indivíduos adquirem no campo de segurança social devem ser considerados invioláveis, em caso algum podendo ser postos na disponibilidade de quaisquer entidades públicas, pois correspondem a deveres estaduais (ou paraestaduais) que cobrem necessidades básicas e não a favores, discricionaria-mente retirados. De resto, numa sociedade empenhada na via socialista qual pode ser o significado da perda do direito à aposentação ou do direito à saúde.

Não pareceu mesmo que fosse despiciendo que com carácter de urgência fosse feita à Administração Pública uma recomendação no sentido de rever imediatamente os Estatutos Disciplinares e de Aposentação na parte em que admitem a repercussão jurídica de sanções disciplinares nos aspectos caracteristicamente de segurança social, por forma que a aplicação daquelas sanções deixe imprejudicados a contagem de tempo e o direito à aposentação [v. disposto nos artigos 13.°, §§ 1.°, 2.°, 3.°, alínea 6), e 5.°, alínea a), do Estatuto Disciplinar e 76.° do Estatuto de Aposentação].

Esta alteração legislativa, retroactivamente aplicada a fim de restituir a todos os funcionários vitimas de tais normas a plenitude dos seus direitos à segurança social, satisfaria, em parte, a pretensão do reclamante.

Mas igualmente se entendeu que seria de ir mais longe e propor mesmo ao Ministério dos Assuntos Sociais a concessão de nova revisão do processo, a fim de fazer justiça.

Não se encontrou realmente qualquer facto constitutivo de direitos que a tal possa obstar e em favor de tal atitude pode argumentar-se com a aludida apreciação contraditória dos mesmos factos e com a desproporção da pena aplicada por um ministro salazarista e mantida por outro, contra o parecer do instrutor do processo de revisão.

A graduação de pena será uma faculdade discricionária da Administração, mas nem por isso estaria o Provedor de Justiça impedido de intervir e de recomendar um uso mais justo do poder punitivo.

Tanto mais que se detectou flagrante anomalia na fundamentação em que o então Ministro da Saúde e Assistência apoiou a decisão de demitir o ora reclamante da função pública: a de transformar uma alegada circunstância atenuante (vinte e seis anos de leal serviço) em circunstância agravante, em singular oposição ao espirito do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, que prescreve no seu artigo 25.°:

São circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar:

1 — A prestação de mais de dez anos de serviço com exemplar comportamento e zelo.