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25 DE MAIO DE 1979

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o mandato dos Deputados é, a todo o tempo, revogável pelos eleitores [nota b)].

3 — A essência do regime democrático leva, porém, a uma análise de conteúdo positivo, isto é, não se limita a dizer como não é, para explicar como é e tem de ser.

O regime representativo funda-se em eleições livres e impede o mandato imperativo, por quê? Por ter por objecto, como escreve Georges Burdeau, «impedir toda a vontade popular, qualquer que seja a sua intensidade ou a importância numérica do grupo de que provém, de pretender impor — se aos governantes sem ter passado pela prova da discussão».

A razão de ser das assembleias parlamentares é tornar esta prova completa e leal. A decisão final é a da Assembleia, não a deste ou daquele partido.

Quem entenda que as discussões parlamentares significam apenas os discursos sucessivos de partidos não dispostos a ceder um milímetro ou a comprometer-se com outros na descoberta da solução mais viável poderá entender também só haver lugar a representações partidárias e a traduzirem estas a vontade das respectivas direcções. Só que isso significa a desnecessidade do Parlamento ou a própria desnecessidade dos partidos.

4 — É ainda por tal ser da essência da democracia que os Deputados eleitos não representam sequer apenas os seus eleitores, mas todo o país.

É a tradição constitucional portuguesa (na Constituição de 1822 era o artigo 94.°, foi o artigo 1.° do Acto Adicional à Carta Constitucional de 1885 e o § 1.° do artigo 7.° da Constituição de 1911), mas é também e fundamentalmente a definição da natureza do mandato dos Deputados.

Assim o explicou Jorge Miranda na Assembleia Constituinte em nome do então PPD:

[...] o mandato é atribuído aos Deputados, não em nome dos que nele votaram ou dos eleitores dos seus círculos, mas sim em nome de todo o País: os Deputados são Deputados de todo o povo, e não de fracções desse povo.

Antes —e quando era alvo de campanhas que pretendiam dizer-lhe que havia «traído» o «seu» eleitorado— escreveu Sá Carneiro (in Ser ou não Ser Deputado p. 20):

O voto é secreto e eu não sei qual foi o eleitorado que me escolheu. Nem isso interessa. O Deputado deve ser representante de todos os cidadãos, e não apenas dos eleitores; muito menos só de alguns. Nunca unicamente dos que nele votaram, e que são, aliás, desconhecidos.

A eleição, processo de escolha dos titulares dos órgãos representativos, é uma manifestação de soberania nacional, que pertence aos cidadãos. Mas não gera um mandato, em sentido próprio, entre eleito e eleitores.

5 — As razões apontadas têm a mesma raiz: se a independência do Parlamento é essencial à democracia, esta independência do Parlamento pressupõe a dos Deputados que o integram.

Por isso, os sistemas políticos totalitários (de direita ou de esquerda) apagam a personalidade dos seus Deputados e reduzem — nos a meras correias de transmissão partidárias, enquanto nos sistemas políticos

democráticos a participação dos democráticos nas deliberações parlamentares é livre e plenamente responsável.

As imunidades dos Deputados — por muito que queiram esquecê-lo os juristas apressados— implica, por salvaguarda da sua independência, que não podem responder, sequer disciplinarmente «pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções». (Constituição da República, artigo 160.°)

A ideia de que os Deputados representam o País e servem o interesse nacional com independência articula-se, logicamente, com o sistema eleitoral.

Com efeito, como já se referiu, os eleitores esgotaram a sua acção com a eleição dos parlamentares. Acompanham, necessariamente, a acção dos Deputados para, quando forem novamente chamados a votar (mas só então), lhe renovarem ou não a sua confiança. Mas não existe em Portugal democracia directa. Logo, não é possível substituí-la por formas falseadas da sua pretensa substituição. Muito menos quando em nome dos eleitores aparecem as direcções partidárias a, de forma que não pode ser senão abusiva, se substituírem aos eleitores e, nalguns mais infelizes casos, assumindo até representatividade partidária de que carecem.

Perante cada votação em concreto o Deputado é obrigado a reflectir o seu voto, no qual se compromete pessoalmente.

Na verdade, não é sequer admissível que um Deputado viesse dizer aos seus eleitores que votou positivamente medidas de que discordava.

6 — Já assinalámos como o eleitorado não se mantém idêntico ao longo de toda a vida de uma Nação; se, pelo contrário, ele fosse inalterável, não havia razão para se proceder, periodicamente, a eleições.

Assim sendo, é evidente que já não é o mesmo o grupo de eleitores que votou por um Deputado no início e ao longo do respectivo mandato. Os próprios partidos evoluem, no tempo, na sua composição.

Por outro lado, sendo certo que as eleições se processam também em termos de programas apresentados ao eleitorado, é também evidente que esses programas não esgotam, nem poderiam esgotar, todas as questões.

Ou seja, o Deputado não poderá deixar de regular — se, pelo menos em relação a algumas questões, exclusivamente pela sua consciência.

7 — A verdade é que, não só por este facto, há que contar com a personalidade dos Deputados. A representação de que se fala, para ser autêntica, é um papel mediador em dois sentidos.

Não se trata, apenas, de representar no Parlamento eleitores. Seria sempre necessário, mesmo para os defensores desta tese, que, regressado ao seu círculo, o Deputado represente o interesse nacional e as necessidades do Estado.

Para representar um círculo eleitoral são os próprios defensores dessa tese que terão de aceitar que tanto melhor «representa» quem melhor conheça os problemas e aspirações, ou seja, terão de aceitar que a pessoa do Deputado e as suas qualidades não são sequer indiferentes, mas factor essencial e dominante.

O «crédito pessoal» dos candidatos é importante na escolha das listas; todos conhecem como se reage aos «pára-quedistas» e como a personalidade de A ou B melhora resultados.

A mediação desaparece quando o Deputado é apenas obediente. Por isso, nalguns sistemas políticos, ele