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9 DE ABRIL DE 1980

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verdadeiros atentados contra o património cultural do povo português, representa um imperativo constitucional e adquire especial actualidade e pertinência face a recentes escândalos editoriais cuja repetição impune urge prevenir.

Mas se é constitucional o imperativo, hão-de respeitar estritamente o quadro constitucional os instrumentos e mecanismos .tendentes à sua realização. Subordinar a qualquer autorização prévia o uso de obras caídas no domínio público representaria, neste contexto, responder ao escândalo com o pior dos escândalos.

É no entanto o que acaba de suceder com a publicação do Decreto-Lei n.° 54/80, de 26 de Março.

Sendo notório que o Governo não tem competência para legislar em matéria de direitos de autor (e não tendo obtfdo para o efeito autorização legislativa), nem a celeridade com que legislou redunda em eficácia, nem os mecanismos legais que instituiu respeitam as pertinentes regras constitucionais. O dfc-ploma é manifestamente inconstitucional e constitui em si mesmo um escândalo, a cujas consequências legais importa que a Assembleia da República obvie no mais curto prazo.

Acresce que os termos em que se instituiu o chamado domínio público remunerado —medida necessária, cuja adopção o PCP havia proposto à Assembleia da República já na passada sessão legislativa — revestem-se, na figuração governamental, de carácter puramente aberrante, quer no tocante ao montante das taxas fixadas, quer.no que diz respeito ao sistema de cálculo proposto. É mesmo legítimo duvidar que se tenha medido sequer (na utitização apressada de abundantes materiais preparatórios existentes no departamento governamental responsável) o alcance prático das medidas adoptadas.

O caminho que há que trilhar afigura-se inteiramente diverso. Ê para ele que aponta o presente projecto de lei.

2 — Na verdade, nos termos do artigo 5.° do Código de Dirieto de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46 980, de 27 de Abril de 1966, o direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de carácter pessoaJ, os chamados direitos morais.

Os primeiros são protegidos, nos termos do artigo 25." do mesmo diploma, e de «harmonia com o artigo 7.° (1) da Conivenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas, de que Pontugal é memoro, durante a vida do autor e mais cinquenta anos depois da sua morte.

Os segundos são imprescritíveis, nos termos do artigo 57.° do citado Código, competindo ao Estado exercê-los «através idas instituições culturais adequadas» após a expiração do prazo de protecção legal da obra.

A necessidade de tomar efectiva a defesa da integridade e .genuinidade das obras intelectuais caídas no domínio público, e mesmo, em certas condições excepcionais, antes de essa queda se verificar, impõe que sejam tomadas desde já determinadas medidas, algumas das quais já implícitas no Código de 1966, uma vez que ao Estado cumpre, por um lado, assegurar a «protecção legal dos direitos de autor» (artigo 42.°, n.° 2, da Constituição da República) e, por outro, «preservar, defender e valorizar o património cultural do povo português» (artigo 78." da Constituição).

Com efeito, se o reconhecimento do direito de autor garante aos criadores culturais a liberdade de criação e traduz o respeito da sociedade pelo seu trabalho em prol desta, ele permite ainda uma coordenação adequada entre os interesses dos autores e da própria colectividade para a qual produzem, entre os quais avultam a difusão dos bens culturais por todos os seus membros e a protecção desses bens, que constituem um patrimônio colectivo e social.

Ora, a queda das obras intelectuais no domínio público —que, segundo o artigo 37.° do Código, consiste em «cessarem em relação a elas, por qualquer motivo, os direitos exclusivos que a lei assegura, em geral, ao autor da obra intelectual ou a seus sucessores por qualquer título»— pede sem dúvida facilitar o acesso à fruição dessas obras, alargando-a a mais amplas camadas populacionais, mas vai fundamentalmente beneficiar os que se dedicam à sua exploração com fins lucrativos, porque sendo certo que .não carecem de pedir autorização para as utilizarem ficam ainda isentos de pagar os respectivos direitos.

Daí que, em alguns países, se procure restabelecer o equilíbrio entre os diversos interesses em causa através da instituição do regime que costuma designar-se por «domínio público pagante» ou «remunerado» e que consiste na obrigatoriedade do pagamento de uma determinada remuneração sempre que seja utilizada uma obra pertencente ao domínio público, remuneração essa aplicada a fins de assistência social dos autores e promoção cultural. Assim se atinge plenamente o fim visado pela instauração do domínio público, ao mesmo tempo que se permite um alargamento da própria concepção e função social do direito de autor.

Não é descabido referir que, sendo o direito de autor a contrapartida da faculdade de utilização das obras intelectuais por entidade diversa do seu criador, o facto de estas caírem no domínio público não retira essa natureza à remuneração devida pela sua utilização. Com efeito, a queda da obra do domínio público não a torna res nuilius, pois é a própria lei que estabelece a subsistência dos direitos morais em relação a ela, atribuindo ao Estado a respectiva titularidade. Por isso, as legislações estrangeiras que prevêem o domínio público remunerado referem-se à remuneração devida por esse título como um «direito de autor» [veja-se, por exemplo, os artigos 175." e 177.° da lei italiana de 22 de Abri Ide 1941, o artigo 6.°, alínea a), do decreto argentino de 3 de Fevereiro de 1958 e o artigo 25." da lei argelina de 25 de Julho de 1973].

É significativo que, dos doze países onde actualmente vigora este regime, geograficamente distribuídos por três continentes (seis na América, três na Europa e três em África), a maioria o tenha introduzido na respectiva legislação interna no decurso dos últimos nove anos.

Ao instituí-lo agora no nosso país, em termos que se atêm aos limites constitucionais mas, sob vários aspectos, ficam ainda aquém do que em muitas dessas legislações se prescreve, nomeadamente no que diz respeito aos encargos económicos que dele irão resultar, teve-se em vista respeitar a finalidade social do direito de autor, criando-se condições para o estabelecimento de um sistema de auxílio e assistência aos autores, de que até aqui têm estado carecidos.