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II SÉRIE — NÚMERO 42

atribui, qual seja a de defensor por excelência dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, e dê poder dirigir aos órgãos competentes, nestes casos as autoridades militares, as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças, e não há maior injustiça do que a violação de um direito, de uma liberdade, ou de uma garantia fundamental dos cidadãos.

E há que ter sempre presente que a Constituição Política da República Portuguesa, como de resto a Lei n.° 81/77, no que toca ao estabelecer quem tem direito a queixar-se ou a reclamar perante o Provedor de Justiça, determina claramente que tal direito pertence aos cidadãos, sem qualquer restrição, e o militar, pelo facto de ser militar, não perde a sua qualidade de cidadão.

E, quanto à possibilidade e dever do Provedor apreciar e intervir em queixas contra actos administrativos das autoridades militares, é indispensável não se esquecer que, ao contrário do que era expressamente estabelecido no Decreto-Lei n.° 212, de 21 de Abril de 1975, a Lei n.° 81/77, aprovada já no domínio da vigência da Constituição da República, deixou de reproduzir a disposição daquele decreto-lei que excluía da competência de intervenção do Provedor as forças armadas.

Ora, esta supressão daquela disposição proibitiva expressa não pode deixar de significar que, 'hoje, o Provedor pode e deve intervir na averiguação e apreciação de queixas que lhe sejam dirigidas por cidadãos, ainda que militares, contra actos administrativos das forças armadas, pois, até, se assim não fosse se violaria o preceito do artigo 24.° da Contituição, que faculta aos cidadãos, os militares, aos quais aquele direito era Provedor, e o princípio da igualdade de todos perante a lei, criando uma classe à pane de cidadãos, os militares, aos quais aquele direito era rerirado.

E violaria frontalmente as disposições do artigo 18.° do Estatuto do Provedor, já que criaria uma exclusão de competência que ele não comporta, pois só os actos políticos dos órgãos de Soberania estão excluídos da competência do Provedor, o que significa que na sua competência cabem os actos adnrnistrativos desses Órgãos, sem distinção entre eles.

Por isso, o Provedor intervém nos actos administrativos do Governo, nos actos não jurisdicionais dos tribunais, não se justificando, portanto, que não proceda de igual modo, quamto aos actos administrativos das autoridades militares, até mesmo se forem do Conselho da Revolução.

Logxamente e no que respeita ao caso concreto desta reclamação, e dado que o Chefe do Estado-Maior do Exército é hoje, por força legal, o Ministro do Exército, tendo, pois, funções, quando como tal, de' parte do Órgão de Soberania que é o Governo, a presente reclamação só não poderia ser apreciada pelo Provedor se atacasse um acto político, e não um acto administrativo.

Ora não é esse o caso.

Sem nos determos na análise das várias doutrinas que a tal respeito têm sido expostas e

defendidas, desde as que procuram definir o aoto através do seu rnóbil ou fim político, passando pelas da causa objectiva do acto, ou o acto administrativo substancialmente imputável à vontade de um órgão do Governo, com base em motivos estranho? à ordem jurídica, ou o que enquadra o acto político na função do Governo, até à de Georges Burdeau segundo a qual um acto administrativo só se traduz em acto essencialmente, político, de exclusiva função governamental e não administrativa quando visa a definir, a criar uma orientação de carácter essencialmente político, por isso livre e incondicionada, não resultante de exercício de qualquer outra faculdade concedida ou prevista em disposição já existente do direito positivo (esta a doutrina que perfilho e à qual acrescento apenas que a liberdade e incondicionalidade de criação de uma orientação tem, todavia, o limite do respeito pela lei constitucional).

Mas, como é evidente, o acto do Chefe do Estado-Maior do Exército, ao negar autorização ao major Otelo Saraiva de Carvalho para se deslocar ao estrangeiro, não é um acto político, que caiba nas definições de qualquer daquelas doutrinas, mas um simples acto administrativo que se confunde até com uma medida de segurança.

E não obsta a tal entendimento a circunstância de através desse acto se ter procurado exercer um fim político, não no sentido técnico e próprio de criação de orientação política mas sim no sentido estrito de obter fins políticos num caso concreto e pessoal, o que logo lhe lira o carácter político no seu sentido próprio ou técnico, porque nele se não contém um critério criado de orientação geral, logo abstracto.

É por isso mesmo que actos como este, de que nos ocupamos, escapam à proibição de recurso contencioso administrativo que se contém no n.° 2 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 4076S, como entre outros sustentam Marcelo Caetano, no Manual de Direito Administrativo, 7." edição, p. 773, e 8.° edição, p. 8; Furtado dos Santos, no Dicionário Jurídico da Administração Pública. vol. 1.°, pp. 129 e 130; Almeida Ferrão, em Questões Prévias e Prejudiciais, do Contencioso Administrativo, p. 200, e está consagrado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ds 24 de Junho de 1960, (Colecção n.° 26, p. 659), quando doutrina que «acto essencialmente político não é itodo e qualquer acto para cuja prática tenham contribuído, mais ou menos intensamente, preocupações ou objectivos de ordem politica, mas apenas os actos pelos quais o Estado exerce a sua função .pública, ou sejam, aqueles cujo objecto directo e imediato consiste na conservação da sociedade política ou na defenição e prossecução do interesse geral».

É por de mais evidente que o acto pelo qual se nega autorização a um determinado militar para se deslocar ao estrangeiro, não é um acto que tenha por objecto directo e imediato a conservação da sociedade política ou a definição e prossecução do interesse geral, mediante a livre escolha dos recursos ou das soluções consideradas preferíveis.