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II SÉRIE — NÚMERO 108

Depois no n.° 2 temos um novo conceito, que é o de comunidade portuguesa e o de consolidação. Em cima é a definição, é a constituição; em baixo é a consolidação. Sinceramente, este segundo conceito, somado ao primeiro —povo português, comunidade portuguesa, no segundo, com referência à ideia de consolidação e já não de definição—, pode introduzir alguma perplexidade no futuro, que o actual artigo não levanta; são cidadãos portugueses todos aqueles que como tais sejam considerados por lei ou convenção colectiva.

E vamos à lei ordinária, com maior maleabilidade, e dizemos quais são e quais não são, como se adquire, como se readquire —coisa que falta na actual— e como se perde a qualidade de cidadão português.

Penso que não é muito sábio —para não entrarmos em demasiados pormenores, sobretudo da parte de quem, com alguma razão, tem criticado o tamanho desmedido da nossa Constituição— estar a entrar em pormenores deste género, que são, a meu ver, pouco cautelosos.

Não sou contra dizer-se que o povo português é constituído por todos os cidadãos portugueses, não vejo é a mínima necessidade disso.

Penso que falar com especial relevo de laços de sangue é ir-se além da actual lei. Na lei actual os laços de sangue não têm especial relevo, é uma forma de conjugação entre os dois critérios, e não penso que, mesmo ainda hoje, se possa falar em termos de especial relevo. Eu não falava, não me vinculava, deixava que a lei ordinária pudesse ir-se adaptando à realidade. Sabemos lá que surpresas vamos ter nesses domínios!

O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Ao contrário do que foi dito, quer pelo Sr. Deputado Azevedo Soares, quer pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, a fórmula actual da Constituição não é tautológica e não é, de modo nenhum, inútil.

Dizer que são cidadãos portuguesas todos aqueles, etc, tem o mesmo sentido —e na altura própria, quando este artigo foi votado na Assembleia Constituinte, tive o cuidado de o frisar— que dizer que constituem o povo português todos aqueles que tenham cidadania ou nacionalidade portuguesa.

E o alcance útil disto é o seguinte: em conjugação com as normas atributivas de direitos, designadamente de direitos políticos, frisa-se que todos aqueles que tenham a cidadania portuguesa têm direitos políticos, têm direitos de participação na vida pública, tém direitos de acesso a cargos públicos, etc.

E isso em 1975 tinha um alcance extraordinário, porque na altura havia quem tivesse um conceito de povo ou de cidadania ou de direitos políticos diferente deste. Em 1975 havia quem defendesse o sentido económico-social aclassista de povo, através do qual, eventualmente, certo número de portugueses seriam excluídos de direitos políticos.

Todos estamos recordados, por exemplo, do célebre documento da aliança povo-MFA que instituiria um poder popular. Se esse documento tivesse sido transformado em constituição, em vez de ter sido aprovada a Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, nem todos aqueles que têm cida-

dania portuguesa teriam direitos políticos, interviriam na formação da vontade política do Estado Português, tinham acesso a cargos públicos, etc.

Hoje o sentido útil do artigo 4.° é estabelecer um princípio de universalidade na atribuição de todos os direitos, designadamente de direitos políticos, em razão de quaisquer motivos, designadamente de carácter económico-social ou de classe.

Havia em 1975 quem defendesse um conceito clas-sista de povo —povo/classe populares, povo/classes trabalhadoras—, e, quando o artigo 4.° da Constituição liga a cidadania ao conceito, diz-se que são cSdaidãcis portugueses, com todos os direitos constitucionalmente estabelecidos, todos aqueles que, segundo a lei ou as regras de direito internacional, têm a cidadania portuguesa; a Constituição está a excluir e está a impedir qualquer restrição de direitos políticos e qualquer restrição do conceito de povo.

Talvez a solução para o problema que estamos a discutir consistisse, muito simplesmente, em mudar a epígrafe do artigo, passando a dizer, única e simplesmente, «povo português», e depois manter-se o texto actual do artigo 4.°

O dizer-se que constituem o povo português todos os portugueses, realmente, não tem grande alcance hoje que o Estado democrático está consolidado, e parecerá não ter grande sentido. No entanto, tinha sentido em 1822, quando se fez a primeira Constitui* ção, e tinha também sentido em 1975, em que se receava que, em nome de um certo conceito de povo, se pusesse em causa o conceito de povo e a universalidade dos cidadãos portugueses.

É isso que quer dizer o artigo 4.° da Constituição. O povo português é o conjunto de todos os portugueses, todos aqueles que, segundo a lei, tenham a cidadania portuguesa têm todos os direitos, designadamente os direitos políticos. A soberania reside nesse conjunto dos cidadãos, e não apenas em certas classes, em certos partidos ou em certos grupos.

Ainda no que diz respeito ao segundo ponto, o Sr. Deputado Sousa Tavares perguntou: mas por que não um princípio fundamental de jus songuinis?

Isso iria inconstitucionalizar amanhã uma lei que não consagra esse princípio fundamental e isso não nos parece que seja conveniente neste momento.

Pode amanhã, designadamente, em face da experiência da lei que acabámos de votar, reconhecer-se que esse critério prevalecente do jus songuinis não é o melhor. E por que fechar essas portas?

Por outro lado, o conceito de cultura e o conceito de comunidade portuguesa são dois conceitos extraordinariamente vagos. Então qualquer indivíduo que fale a língua portuguesa deverá ter cidadania portuguesa?

No projecto da Aliança Democrática já se fala em nação no preâmbulo, fala-se em povo no n.° 1, fala-se em comunidade portuguesa no n.° 2. Há uma extrema indefinição, uma extrema imprecisão, quando neste domínio, pelo contrário, aquilo que é essencial é encontrar uma uniformidade, é preciso ficar, de uma vez para sempre, assente —se é que se julga necessário dizê-lo— que têm intervenção na vida política portuguesa, na vida cívica e na vida social aqueles que têm um vínculo jurídico-político com o Estado Português, que é o vínculo da cidadania.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presi-dente Almeida Santos.