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8 DE OUTUBRO DE 1981

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O Sr. Presidente [Almeida Santos (PS)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Gostava de dizer o seguinte: a expressão «povo» tem na nossa literatura, política e não só, duas acepções. Tem uma acepção de classe —menos favorecidas, mais pobres, classes trabalhadoras, etc, conforme o sucessivo processo histórico— e tem uma acepção imagística. Ê neste sentido que a gente diz, por exemplo, numa fórmula literária, que pertencem ao povo português pessoas que têm nacionalidade americana.

Ainda outro dia foi referido o caso de um senhor que era arcebispo de Boston, D. Humberto Medeiros, que tem nacionalidade americana, mas que, no entanto, pertence ao povo português.

Parece que não devemos aqui misturar esse tipo de conceitos —conceitos evangelísticos— com conceitos juridicamente precisos.

Em segundo lugar, não posso deixar de ligar esta ideia de povo português à ideia atrás expressa, que pretendia, no artigo 1.°, substituir «República Portuguesa» por «Portugal». É uma afloração um pouco bastante modernizada — e com isso me congratulo — de uma série de princípios que têm uma lógica evidente e coerente.

Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Azevedo Soares dizia que nós aqui consagramos os laços de sangue, de cultura e de consolidação na comunidade portuguesa.

Se nós fizéssemos isso, haveria, de facto, uma opção coerente. Mas nós não fazemos isso. Nós dizemos que na definição dessas condições ter-se-ia em conta um especial relevo, o que significa que deixamos ao arbítrio do legislador ter a medida em que tem em conta o relevo que deve ser especial.

Portanto, nem os partidos que integram a Aliança Democrática quiseram ir tão longe que vinculassem isto a uma única coisa. Deixaram ficar escrito «ter--se-á em conta o especial relevo».

Penso que, sobretudo depois de termos feito uma descolonização —e é muito curioso este debate, mas só daqui a algum tempo é que terá lugar, agora não é altura disso—, as condições que definem a aquisição da nacionalidade devem ser extremamente maleáveis, devem submeter-se à lei ordinária, à maioria que existe no paorlamento —que agora é a maioria da AD—, e não devem, de forma nenhuma, ser constitucionalizadas.

Isto porque nós já vimos que, de vez em quando, temos de, tal como os bombeiros, andar a apagar fogos para se resolverem as chamadas situações injustas, que alguns dos senhores deputados julgam ser injustas, que nada têm a ver com partidos e que às vezes até são injustas do meu ponto de vista Mas não interfiro nisso.

Portanto, é necessário que haja uma grande flexibilidade. E há uma coisa terrível: é que não há nada pior do que uma constituição que não se cumpra.

De modo que, quando se diz que isto deve ter especial relevo, a maioria da AD vai ter de fazer uma lei nesse sentido, ou então é melhor não estar cá.

E, se não estiver cá, poderemos, julgando ouvir do jogo, seguindo um certo empirismo político, chegar a melhores situações do que estas que se pedem.

Entretanto, há uma coisa extremamente perigosa que é a de teorizarmos as coisas em demasia. Penso que estamos ainda a dar os primeiros passos nestas questões de nacionalidade. Ainda ninguém estudou a fundo os problemas oriundos da descolonização c dos problemas que isso pode levantar para Portugal. Chamo, por exemplo, a atenção dos diversos critérios em que, por exemplo, a nacionalidade de Inglaterra se adquiria com a exibição de um passaporte inglês, tendo assim sido invadida por ... de outros países, criando um problema rácico que a Inglaterra não tinha. Os Srs. Deputados sabem isso muito bem. A Inglaterra cumpriu, teve de cumprir e há-de ter de cumprir durante muito tempo.

Portanto, era melhor que fôssemos mais prudentes e menos generosos nesta questão.

No que diz. respeito ao artigo 4.°, tal como está, ele é extremamente inovador, porque dá duas formas de aquisição da nacionalidade portuguesa: a lei ordinária e a convenção internacional, que, evidentemente, se refere aos casos de dupla nacionalidade. Não é tautológico, utiliza um conceito preciso, que é o conceito de cidadania, e eu atrevia-me a sugerir aos partidos que integram a Aliança Democrática que, em nome dos seus próprios programas, em nome da sua própria ideologia e em nome das suas actuais responsabilidades de governo, pensassem melhor neste assunto.

Neste momento reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): — É para, em meu nome pessoal, exprimir também a minha opinião e dar o meu contributo ao debate.

Devo dizer que, pessoalmente, estou convencido das razões que assistem à manutenção do artigo 4.°, tal como existe.

Penso que tem um conteúdo normativo muito importante ao considerar que todas as pessoas que tenham nacionalidade são consideradas cidadãos. Essas pessoas gozam de todos os direitos que esta Constituição atribui aos cidadãos portugueses.

Isto é um conteúdo normativo importante' e de verdadeira dignidade constitucional.

A fórmula proposta pela Aliança Democrática, s naturalmente que por mim próprio, tem um conteúdo muito mais difuso, e tenho muitas dúvidas sobre a sua utilidade. No fundo, diz que o povo português é constituído por todos os cidadãos ou que todos os cidadãos têm direito a ser considerados como membros do povo português, o que para mim é de utilidade constitucional ligeiramente duvidosa.

Penso, portanto, que há aqui dois juízos fundamentais: um juízo de constitucionalidade —a fórmula actual consagra perfeitamente aquilo que é de constitucionalizar nesta matéria— e, por outro lado, a questão de estarmos já a estabelecer os critérios. Podemos perfeitamente deixar isso para a lei ordinária.

No fundo, queria apenas expressar que estou perfeitamente convencido das razões expostas pelo Sr. Deputado Jorge Miranda e pelas que se lhe seguiram, que são mais ou menos coincidentes.