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II SÉRIE — NÚMERO 2

de 1981 (até então se arrastou a instrução preparatória!). O julgamento é marcado em 1982. O réu apresenta atestado médico, provocando o adiamento. Mas para todas as audiências marcadas posteriormente aprendeu a forma de se furtar à notificação e agora nada mais há a fazer do que o julgamento à revelia, ainda não marcado.

Se uma amnistia não surgir que termine este processo na sua longa marcha, a Maria Judite poderá conseguir uma condenação. Mas a dívida só é contada até à data da acusação (é de 17 000$). Para os alimentos posteriores, a mãe terá de recomeçar tudo. Mas com uma condenação à revelia o réu tem largas hipóteses de escapar aos mandatos de captura e ao pagamento da dívida alimentar...

Esta é a angustiante situação de centenas e centenas de mulheres com filhos menores à sua guarda, que diariamente se vêem forçadas a reclamar dos juízes, nos corredores dos tribunais, nos gabinetes do ministério público, nos escritórios dos advogados, o cumprimento de obrigações judicialmente estabelecidas, a defesa do interesse na manutenção da vida.

Reclamam, em última análise, mecanismos legais e práticos que permitam o cumprimento de normas constitucionais e confiram eficácia à legislação em vigor.

2 —Dos imperativos constitucional* • legais à realidade

A Constituição reconhece às famílias o direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Aos pais e às mães é garantido o direito à protecção especial na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos. As crianças têm direitos que o Estado deve assegurar e fazer respeitar, com vista ao seu desenvolvimento integral. Aos jovens é constitucionalmente assegurada protecção adequada para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais ...

£ sabido quão longe nos encontramos de uma efectiva realização de todos estes direitos e como se fazem sentir aqui agudamente as desigualdades que caracterizam a sociedade portuguesa.

Como ignorar então que tudo isto se reflecte no (in)cumprimento das obrigações alimentares, sem que a lei ordinária assegure um eficaz sistema de protecção dos menores que dela mais carecem?

É certo que a reforma do Código Civil empreendida em 1977 alterou o instituto das obrigações alimentares, dando um importante passo para o adequar às novas realidades. Foi a segunda grande mutação em apenas 10 anos ...

Hoje a lei reflecte as novas realidades e aponta para a transformação social.

Mas, apesar de tudo, mantém-se as distorções e há normas a rever, como de uma maneira geral se reconhece.

A inadequação da lei torna-se ainda mais patente quando se tem em conta o grande número de crianças que hoje vivem e são educadas apenas na companhia do pai ou da mãe, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força de separação ou divórcio dos pais.

Não se pode ignorar, finalmente, que existe ainda um enorme desconhecimento dos próprios direitos consagrados na lei por parte de quem mais carecia de os conhecer e exercer ...

3 —Um novo regime legai que ponha Hm à desprotecção existente

Sobre as formas de alteração da situação que ficou ' descrita vem sendo travado, desde há anos, um útil debate de dimensão internacional, cujas conclusões apontam para a necessidade de intervenção estadual eficaz na garantia da responsabilidade alimentar.

Reflexo desse debate é a Recomendação n.° 869 (1979) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa relativa ao adiantamento pelo Estado de quantias devidas a menores a título de alimentos, reformulada pelo Conselho de Ministros daquela organização em 1982 (Recomendação n.° -2/82). Segundo os documentos aprovados pelo Conselho, os países membros devem garantir aos menores o adiantamento das pensões alimentares fixadas judicialmente, quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres. O Estado ficará então subrogado nos direitos dos menores, devendo exigir ao devedor as pensões não pagas.

Trata-se de soluções cuja concretização no direito português se afigura urgente face às carências existentes e aos imperativos constitucionais.

A Organização Tutelar de Menores tal como se encontra continua a não dar cumprimento a essas directrizes e tão pouco se adequa aos princípios que informaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos alimentos.

Se a pessoa obrigada à prestação de alimentos está ausente em parte incerta, se está ausente no estrangeiro ainda que se lhe conheça o paradeiro, se trabalhar por conta própria, se mudar constantemente de emprego, se não cumprir a sua obrigação — que pode fazer a pessoa a quem foi confiada a guarda do menor?

No primeiro caso —ausência em parte incerta — nada há a fazer. Apenas emoldurar a sentença do tribunal como recordação da inoperância da legislação, do demissionismo do Estado.

No segundo caso — ausência no estrangeiro — verifica-se extrema dificuldade em fazer funcionar a convenção sobre o reconhecimento e execução das decisões relativas às obrigações alimentares, ratificada por Portugal, bem como os instrumentos internacionais celebrados com vários Estados.

Uma que outra vez, atinge-se a finalidade. Mas quantos anos após a decisão judicial? Depois de que labirintos e barreiras burocráticas?

No terceiro caso — o do trabalhador por conta própria que não cumpre— normalmente «não tem bens e não tem rendimentos». Daí a total impossibilidade de fazer funcionar o artigo 1118.° do Código de Processo Civil. Mas ainda que haja bens e rendimentos, o alimentando terá que aguardar pacientemente o decorrer de largos meses ou até anos, defrontando-se com repetidas certidões negativas de notificação do executado.

No último caso —o do trabalhador que frequentemente muda de emprego— haverá que renovar periodicamente perante o juiz a solicitação de proceder a inquérito para se determinar qual a nova entidade patronal do faltoso.

Mas no meio de tudo isto ainda há a situação trágica, que é hoje frequente realidade, daqueles que, empregados, não recebem salário há váric* meses, que querem cumprir e não podem e aos quais nada se pode descontar no (inexistente) vencimento ...