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II SÉRIE — NÚMERO 78

aos seus servidores, colocando-os em pé de igualdade com os restantes cidadãos (").

Eis por que, para que um dano sofrido pelo funcionário seja indemnizável, é necessário reunir um conjunto de pressupostos, uns positivos, outros negativos, a saber:

a) Prejuízos especiais e anormais;

b) Derivados, em termos de causa e efeito, do

funcionamento de serviços excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza;

c) Salvo caso de força maior estranha ao funcio-

namento desses serviços ou ao exercício dessas actividades ou culpa das vítimas ou de terceiro.

Se apenas os prejuízos especiais e anormais são indemnizáveis, haverá que concluir que determinados danos, subsumíveis num «risco» de Administração, não podem justificar ressarcimento por não estarem ligados a típicas situaçães de perigo; só aqueles que apresentam gravidade e especialidade suficientes para serem considerados encargos ou sacrifícios não enquadráveis no dever de sociedade do cidadão serão indemnizáveis (l2).

Por especiais consideram-se aqueles, prejuízos que afectam determinadas pessoas e não a generalidade dos cidadãos, acarretando para aquelas a imposição de um sacrifício desigual; por isso, o Estado deve suportar o seu ressarcimento em nome do princípio da igualdade perante os encargos públicos e de exigências de equidade aliadas à própria noção de justiça retributiva.

O prejuízo deve ainda ser anormal, na medida em que deve ser um prejuízo suficientemente grave, em função da sua natureza, extensão e actividade.

Em resumo, procura-se «ressarcir os danos que, sendo graves, incidiram desigualmente sobre certos cidadãos» (°).

E, ainda como elemento positivo, é necessário que tais prejuízos especiais e anormais derivem do funcionamento de serviços ou de coisas e actividades da Administração excepcionalmente perigosos.

Não é fácil nem conveniente pedir ao legislador ou ao intérprete uma ideia unitária do que pode ser considerado, neste campo, «excepcionalmente perigoso». A qualificação de coisa perigosa deve ser fixada casuisticamente, pois só assim se obtêm soluções materialmente justas.

O legislador português do Decreto-Lei n.u 48 051, acolhendo o ensinamento do «Conseil d'État», não fixou aprioristicamente o conceito de coisas perigosas, mas permitiu que, num juízo posterior à causação do dano, se proceda a essa ponderação (14).

Competirá, aqui, ao aplicador do direito «dar vida às palavras inertes da lei, enriquecendo-a com uma aplicação sensata e justa» (ls).

Mesmo que reunidos os elementos positivos, a responsabilidade do Estado ainda pode ser ilidida se se provar que os danos devem ser imputados a caso de força maior ou a culpa das vítimas ou de terceiro.

Destes elementos, o único que pode interessar à economia do parecer será «a culpa de terceiro».

7 — Dada a matéria fáctica reunida, admite-se pacificamente que os danos sofridos pelo requerente foram provocados pelos manifestantes.

Pareceria, sem mais, que estava arredada a responsabilidade do Estado, seja pela intervenção de um elemento excludente, seja por que os prejuízos não estariam relacionados com a actividade desenvolvida pela Administração. Será assim?

7.1—Diga-se, de passagem, que é ao Estado que incumbe a prova da «culpa de terceiro», pois, como se sabe, entre nós está consagrada uma repartição do ónus da prova, que pode ser assim condensada: ao lesado cabe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito; ao demandado compete provar os factos extintivos ou impeditivos do direito do lesado.

O que não deixará de ser extremamente relevante quando estão reunidos os elementos positivos que impõem a indemnização.

Se o Estado não conseguir fazer a prova de que os danos foram devidos a culpa de um terceiro, imputa--se-!he a responsabilidade com base no risco social. Escreve J. J. Gomes Canotilho (l6) que: «No conceito de riscc social se englobam, na verdade, as hipóteses de causação de danos durante os tumultos, manifestações ou movimentos insurreccionáis. Considerada inicialmente uma responsabilidade por culta em que estavam patentes funções repressivas caracterizadamente penais, na medida em que lançava o dever de indemnização sobre todos os habitantes da cidade ou aldeia, presu-mlndo-se uma responsabilidade colectiva, reconheceu-se depois (") que isso constituía uma medida de intimidação anacrónica porque, além do mais, se poderia descortinar sempre uma culpa da organização estadual pela ausência ou deficiência da actuação dos agentes de segurança. Por isso é que a jurisprudência francesa acabou por justificar a reparação dos danos resultantes das medidas de repressão com base no 'risco social', possivelmente pela dificuldade do demadante em provar que os sofrimentos graves por ele suportados durante a manifestação ou tumulto foram provocados pelas armas policiais e não por um outro participante [...]».

A ressarcibilidade de tais prejuízos, desde que não haja causa exoneratória, continuará a caber ao Estado, nos termos do Decreto-Lei n.° 48 051. A repressão dos tumultos ou manifestações é objectivamente uma actividade revestida de perigo excepcional, «pelo que se imporá uma obrigação de indemnizar quando um cidadão seja anormalmente sacrificado por um acto repressivo policial. O risco 'social' não é senão um subtipo de responsabilidade estadual por actividades excepcio nalmente perigosas».

Daqui decorre a necessidade de introduzir uma profunda distinção nos danos causados durante os tumultos, manifestações ou movimentos insurreccionáis: ou eles são provocados pela actividade das forças repressivas ou pelos próprios manifestantes (,8).

Quanto aos primeiros, não há dúvida de que eles devem ser ressarcidos pelo Estado, pois decorrem do exercício de uma actividade revestida de perigo excepcional, mas os segundos não podem ser imputados directa ou indirectamente ao Estado, ressalvados, como já se viu, os casos limite de culpa das suas forças policiais; são danos provocados por terceiros, e só a eles, em princípio, devem ser pedidas responsabilidades.

7.2 — A solução encontrada não deixará de ser, por vezes, chocante. Imputar responsabilidades por danos aos participantes numa manifestação, tumulto ou movimento insurreccionáis será, na generalidade, salvo o caso por exemplo de manifestações devidamente