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26 DE JANEIRO DE 1984

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organizadas e autorizadas, meramente platónico.

É aqui que a ideia da igualdade de todos os cidadãos perante os encargos públicos, caldeada com os principios da socíalidade e solidariedade, pode exigir que se chame o Estado, quando as soluções são profundamente iníquas, a agir como assegurador colectivo, à semelhança do que lhe é pedido no caso das calamidades nacionais.

Já no nosso país, os danos resultantes de movimentos insurreccionáis de Janeiro de 1917 até Fevereiro de 1919 foram, pela Lei n.° 968, de 10 de Maio de 1919, considerados indemnizáveis, ficando a responsabilidade a cargo do Estado, quando não fosse possível identificar o autor ou autores dos danos, ou quando estes, embora conhecidos, não tivessem bens para responder pelo pagamento de indemnizações.

Só com a intervenção legislativa se consegue superar situações pontuais que se revelam injustas em termos de solidariedade social.

Aliás, a ideia de transferir sistematicamente para o Estado a indemnização pelos danos resultantes de tumultos, insurreições ou manifestações, quando ela não possa ser exigida aos particulares, surge, à partida, como justa; mas as soluções mais justas não podem, por vezes, ser efectivadas na prática, obstando-lhes, por exemplo, o encargo financeiro excessivo que importam (").

8 — O desenvolvimento feito até agora conduziu à afirmação da irresponsabilidade do Estado por danos causados pelos participantes em tumultos ou manifestações, sem prejuízo de intervenções legislativas pontuais que minimizem situações chocantes.

Esta tese necessita, no entanto, de ser confrontada com determinados casos especiais de servidores do Estado que desempenham funções onde o perigo se radica precisamente no contacto com o público, com terceiros.

A perigosidade da função pode derivar de inúmeros factores, encontrar-se ínsita no seu próprio exercício, como, v. g., o funcionário que trabalhe com um aparelho radioactivo delicado, ou potenciar-se quando o servidor do Estado entra em contacto com elementos da população. No relacionamento com os outros ele expõe-se ao perigo, maximilizado por vezes em situações de crise.

Se, na sequência do exercício desse tipo de funções, ou por causa delas, o servidor do Estado vem a sofrer danos causados pelo público, não fará sentido falar, como causa exoneratória de responsabilidade do Estado, na actividade de terceiros.

Pensa-se antes que a situação se ajusta à ideia de «risco criado», coexistindo, a par de ateividade desenvolvida no âmbito do interesse geral, um condicionalismo de risco a que se encontram sujeitos terceiros, onde a exposição ao perigo é acentuada e potencialmente danosa.

No dizer de Gomes Canotilho, «para estas actividades ou serviços a exposição ao perigo afigurou-se ao nosso legislador como a ratio informadora comum de transferências dos danos para o sujeito que expôs terceiro a uma situação típica de perigo, à qual está normalmente inerente uma alta probabilidade de causação de danos» í30).

A actividade desenvolvida por um deputado não o espoe, em regra, a uma situação típica de perigo; não deve, assim, ser considerada como uma actividade peri-

gosa, e muito menos excepcionalmente perigosa, mesmo quando contacta com multidões.

Mas a situação do deputado pode sofrer uma radical modificação em situações de crise que tenham como alvo a Assembleia da República.

Neste condicionalismo, o deputado que assuma uma posição, no contexto da crise, que o projecte face a uma opinião pública hostil ou que, por inerência de funções, ou por qualquer outro motivo, suporte uma identificação fácil, passa a expôr-se a um perigo acentuado e potencialmente danoso.

E, se efectivamente o deputado vem a sofrer um dano provocado pela multidão que, identificando-o como membro da Assembleia da República, contra ele descarregou a sua hostilidade, afirma-se a existência, por momentânea que seja, de um serviço excepcionalmente perigoso e de um dano especial e anormal relacionado em termos de casualidade com aquele, subsu-raíveis ao disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 051.

9 — Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

l.a Um deputado, Secretário da Mesa da Assembleia da República, exerce uma função que, em determinadas situações de hostilidade para com aquele órgão de soberania, pode ser considerada excepcionalmente perigosa para os efeitos do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 05!, de 21 de Novembro de 1967;

2.a O Estado responde pelo ressarcimento dos danos sofridos por um deputado, Secretário da Mesa da Assembleia da República, provocados na sua viatura por manifestantes contra aquele órgão de soberania.

(') Regime extensível aos deputados, nos termos do artigo 15.° da Lei n.° 5/76, de 10 de Setembro (Estatuto dos Deputados), que dispõe:

1 — Os deputados beneficiam do regime de previdência social mais favorável aplicável ao funcionalismo público.

2 — ....................................................................

O Publicado no Diário da República, 2." série, de 18 de lunho de 1983.

(3) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. i, p. 47.

O Sobre essa evolução entre nós, v. Freitas do Amaral, «A responsabilidade da Administração no direito português», Lisboa, 1973, pp. 7 e segs.; Vaz Serra, «Responsabilidade civil do Estado e dos seus órgãos ou agentes», no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 85, e, entre outros, os pareceres n." 1/69, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 190, p. 182, e 39/77, de 12 e 13 de Maio de 1977, não publicado; cf. ainda Gérard Soulier, «Reflexion sur l'évolution et l'avenir du droit de la responsabilité de la puissance publique», in Revue du Droit Public et de la Science politique en rance et a l'étranger, n.' 6, Nov.-Dez., 1969, pp. 1044 e segs.

O Para uma mais ampla distinção entre gestão pública e gestão privada, cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9." ed., tomo ii, reimpressão, p. 1195; Antunes Varela, Dos obriações em geral, 2.* ed. (1973), p. 522; Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110.", pp. 213 e segs., e o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 5 de Novembro de 1981, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 311, p. 195.

O Acode-se, por vezes, às vítimas de danos materiais através de providências legislativas individuais. Cf., por exemplo, os Decretos-Leis n.°* 513-A1/79, de 27 de Dezembro, e 519-H/79, de 28 de Dezembro, concedendo subsídios a servidores do Estado vítimas de actos de terrorismo.