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II SÉRIE — NÚMERO 78
Contudo, a intervenção legislativa nem sempre tem como efeito estabelecer uma excepção ao principio da irresponsabilidade, mas antes fixar um regime particular para certa categoria de dano. Não se trataria de criar um direito, mas de organizá-lo. Não se pretenderia permitir a reparação, mas facilitá-la (J. (. Gomes Canotilho, O Problema da Responsa-bilidde do Estado por Actos Lícitos, Coimbra, 1974, p. 252; cf. também Gerard Soulier, loc. cit., pp. 1063 e segs.
Nalguns casos, o legislador reconhece que a lei vigente não contempla a situação e vem excepcionalmente reparar danos, como, v. g., no Decretc-Lei n.° 401/83, de 9 de Novembro, onde se cria um subsídio para mestres e guardas-florestais a titulo de compensação pelos prejuízos materiais que sofram com os incêndios nas florestas. No sentido de que o Estado não é responsável pelo ressarcimento dos danos produzidos pelo fogo no recheio da casa de um guarda-florestal, ver o parecer n." 39/77, já referido.
(') Pareceres n." 66/75, de 3 de Dezembro, e 133/80, de 6 de Novembro, não publicados.
(') O artigo 2° do Decreto-Lei n.° 48 051 estBtui:
1 — O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger o seus interesses, reultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
2 — ....................................................................
E o artigo 6.°:
Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
(') Hoje, face ao disposto nos artigos 22." e 27.° da Constituição da República, as omissões passaram expressamente a relevar para efeitos da responsabilidade civil do Estado.
O") O parecer n." 66/75 analisa a eventual omissão das forças policiais na perspectiva de um acto político: perante determinadas repercussões que poderiam resultar, num determinado contexto sócio-político para o País, decidiram-se es forças policiais pela não intervenção. Concluindo pela licitude de uma tal actuação, os prejuízos especiais e anormais que daí derivam seriam indemnizáveis nos termos do artigo 9." do Decreto-Lei n.° 48051. Os dados de facto fornecidos permitem afastar liminarmente a aplicação destes princípios ao caso concreto.
(") Recorde-se que o Estado concede especial protecção penal aos seus funcionários — v., por exemplo, os artigos 360.° e 385." do Código Penal, além de uma ampla assistência na doença em consequência de acidentes de serviço; mas os prejuízos materiais que ura seu servidor venha a sofrer, em consequência das funções que exerce, só serão indemnizáveis nos termos do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48051. A solução não deixa de ser chocante, impelindo o Estado a sanar as injustiças muitas vezes por via legislativa. E se, como adverte Louis Fourgére, La Fonction Publique, UNESCO, 1966, p. 336, por um lado, importa que o público não tenha o sentimento de que os funcionários possuem uma situação de privilégio, por outro, os servidores do Estado se sofrerem danos materiais no exercício das suas funções ou por causa delas deviam ter direito ao ressarcimento. Para tanto, o Conselho de Estado francês, antes de existir texto legal, ou para além dele, socorre-se da teoria do risco excepcional, alicerçado no princípio da igualdade dos cidadãos diante dos encargos públicos (cf. Alain Plantey, Traite pratique da la fonction publique, 3.° ed., ri, Paris. 1971, p. 932; Victor Silvera e Serge Salon, La joncüon publique et ses problèmes actueis, Paris, 1976, p. 192, e André de Laubadére, Traite Elementaire de Droii Administratif, 2° ed., Paris, 1957, p. 481). Hoje, em França, existe comando legal que impõe ao Estado que proteja os funcionários contra as ameaças e ataques de qualquer natureza que possam sofrer por acasião do exercício das suas funções, e que repare, se necessário, os prejuízos que daí lhes resultem.
(") J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 96 e 124. (") Idem, ob. cit., p. 283; ver também o Parecer n.° 162/80, publicado no Diário da República, 2." série, de 18 de Março de
i982, e no Boletim do Ministério da fustiga, n.° 312, p. 135, e os autores aí mencionados.
(") Idem, ob. cit., pp. 94 e segs.
(") Freitas do Amaral, ob. cit., p. 41.
(") Ob. cit., pp. 263 e segs.
(") Sobre esta evolução, cf. Waline, ob. cit., pp. 875 e segs.
(") Na hipótese de não se determinar a origem dos danos, aplica-se a regra de repartição do ónus da prova; se o Estado não conseguir provar que os danos foram provocados pelos «manifestantes», recairá sobre ele a obrigação de indemnizar os prejuízos, que passam a ser imputados às forças policiais.
(") A responsabilidade do Estado pelos danos causados por ocasião de tumultos ou manifestações está hoje consagrada legislativamente em França, fundada na ideia de um risco social, pouco importando que os danos sejam provocados pelos participantes ou pela força pública utilizada contra eles e mesmo que o lesado seja um dos manifestantes (cf. E. Pisier-•Kouchner, La responsabilitê de la pólice, Presses Universitaires de France, 1972, pp. 79 e segs.; Andé de Laubadére, Droít Administratif Spécial, Presses Universitaires de France, 1958, p. 153; George Vedei, Droit Administratif, 5." ed., Presses Universitaires de France, 1973, pp. 406 e segs., e lean Rivero, Direito Administrativo (tradução), Coimbra, 1981, p. 348.
(") Parecer n.° 162/80, já referido, onde se considerou o Instituto Navarro de Paiva um serviço excepcionalmente perigoso para os efeitos do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 48 051, e, consequentemente, se concluiu que o Estado responde pelo ressarcimento dos danos produzidos no recheio de casa do director daquele estabelecimento devido a fogo posto por um dos menores ali internados.
Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 7 de Dezembro de 1983.
Eduardo Augusto Arala Chaves — Ireneu Cabral Barreto (relator) — José Joaquim Oliveira Branquinho (tem voto de conformidade, mas não assina por não estar presente) — António Agostinho Caeiro (tem voto de conformidade, mas não assina por não estar presente) — Mário ¡osé de Araújo Torres — António Gomes Lourenço Martins — Alberto Manuel Portal Tavares da Costa — Manuel António Lopes Rocha (vencido pelas razões que sumariamente indico:
A responsabilidade consagrada no artigo 8." do Decreto-Lei n.° 48 051 é objectiva, fundada no risco, e este tipo de responsabilidade, no nosso direito, tem carácter excepcional.
Sendo assim, não existe fora dos casos em que o legislador a admite, sendo inadmissível o recurso à analogia.
Aquela responsabilidade, por outro lado, assenta num princípio de justiça segundo o qual a colectividade deve suportar os prejuízos resultantes de certas actividades exercidas em seu benefício. Não de todas; porém a lei é clara quando as restringe ao funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas ou actividades da mesma natureza.
Está excluída, desse modo, a responsabilidade por prejuízos decorrentes de circunstâncias aleatórias que, por definição, não qualificam a excepcional perigosidade de serviços, coisas ou actividades, pois esta envolve a ideia de perigos constantes.
Na lógica da tese que fez vencimento seria difícil encontrar um serviço, coisa ou actividade que, em caso de «radicais modificações» ou em «situações críticas» — como se diz no parecer— não pudessem devir como excepcionalmente perigosos.
E, por essa via, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas passariam a assumir posição equivalente à de seguradores gerais obrigatórios de riscos. Dizendo de outro modo: de excepcional, a responsabilidade fun dada no risco passaria a ser geral.