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8 DE FEVEREIRO DE 1984

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género «veja no despacho saneador se a coisa é absolutamente necessária, etc.» Isto passou-se em casos que reputava importantes para os interesses do meu constituinte.

Mas, Srs. Deputados, o que está consagrado no nosso texto é um dever deontológico que estabelece o segredo profissional, não só em relação ao médico, mas também em relação aos «... demais profissionais de saúde e restante pessoal dos estabelecimentos em que se pratique licitamente a interrupção voluntária da gravidez no sentido de eles ficarem ...» vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções, ou por causa delas, relacionados com aquela prática.

Quer dizer, o dever de sigilo profissional que aqui aparece determinado é o dever relacionado com a prática legal da interrupção voluntária da gravidez.

Aquilo que o Sr. Deputado Correia Afonso sugere no n.° 2 da sua proposta é que «cesse o dever de sigilo profissional previsto ao número anterior...». Ora, quanto a mim, esse dever de sigilo profissional não está em causa. Esse nunca pode cessar. Nunca era relação â prática lícita da interrupção voluntária da gravidez se pode dar qualquer espécie de violação do dever de sigilo profissional.

E agora suponhamos o seguinte caso: vamos supor que há a prática de um aborto ilegal. Pergunta-se: manter-se-á o dever do sigilo profissional relativamente à prática deste aborto ilegal? Essa é uma questão diferente.

Embora não tenha diante de mim o Estatuto da Ordem dos Médicos, penso que, mesmo em relação à prática de um crime de aborto ilegal que o médico surpreenda no exercício das suas funções, esse médico está obrigado ao segredo profissional. E mais, creio que ele tem de ir ao conselho deontológico da Ordem dos Médicos pedir para esclarecer o facto.

Mas agora levanta-se uma questão, que é, de facto, uma questão grave: suponhamos, por hipótese, que em relação ao aborto legal, e para poder isentar de pena alguém falsamente acusado da sua prática ilegal, o médico é chamado a depor. Pergunta-se: apesar de este ser um dos tais casos em que ele é obrigado a sigilo profissional, e dado que ele dispõe de elementos que lhe permitem isentar alguém, seu cliente ou terceiro, dessa acusação, deve ou não deve, aí também, estar coberto pelo sigilo profissional?

A este respeito direi que, no plano puramente legal, esta decisão não compete ao médico, mas ao conselho deontológico da sua Ordem. É que há mesmo uma sanção para a utilização em processos cíveis ou criminais, consagrada, nomeadamente, no Código do Processo Civil —e refiro-o, repito, não para o Sr. Deputado Correia Afonso, mas para os nossos colegas que não são formados em Direito— que se aplica a qualquer depoimento que seja prestado em violação do segredo profissional e que se traduz na impossibilidade de o tribunal utilizar esse depoimento na fundamentação da sua prova.

Se os Srs. Deputados me permitissem, e se tivesse aqui o Código de Processo Civil, era importante ler isso, porque tanto este diploma como o Estatuto Judiciário proíbem que o depoimento, não devidamente autorizado, de um advogado ou de um médico seja utilizado na produção da prova e na fundamentação

dos quesitos quando seja prestado era violação do segredo profissional.

Mas, mais ainda, na recente introdução do júri no nosso país, instituição em relação à qual, de resto, sempre tive as maiores dúvidas — mas isso não é para ser discutido agora—, e nas instruções gerais que o tribunal lhe dá, uma das coisas que este deve é alertar para a produção da prova que não podia ser produzida ou admitida. E há vários casos clássicos como, por exemplo, o caso das perícias médico-Iegais que aparecem, infelizmente muito, em casos de homicídio e que, por não terem a assinatura do respectivo director--geral, são consideradas inexistentes.

Portanto, embora compreenda os problemas levantados pelo Sr. Deputado Correia Afonso, a proposta que apresentou de um n.° 2 não pode merecer o nosso acolhimento, por causa deste conjunto de fundamentos e de razões. É que, uma vez estabelecido o dever de sigilo profissional, não compete nem à lei geral, nem ao próprio profissional obrigado a esse sigilo, o direito de o interromper ou não. E como tive a ocasião de agora referir, os tribunais reservam mesmo outra sanção, para além da sanção criminal, que determina que não se podem considerar, em qualquer circunstância, declarações prestadas com violação do segredo profissional.

É por isso que, quanto ao ponto n.° 2, nós estamos em desacordo e votaremos contra.

Quanto ao n ° 3, que estabelece que «denunciado qualquer crime de aborto o processo seguir-se-á em regime de instrução preparatória», queria dizer que compreendemos a intenção do Sr. Deputado Correia Afonso, sugerindo, dada a delicadeza do tema, que este processo deva ser tratado directamente por um juiz. Creio, no entanto, sob pena de introduzir o caos no nosso sistema judiciário, que não podemos privilegiar o crime de aborto sobre, por exemplo, o de parricidio— que é um crime de uma gravidade tão grande que nem sequer a legítima defesa do parricida é admitida como atenuante qualificativa, mas apenas como atenuante geral.

Portanto, neste sentido, não me parece que o crime de aborto possa ser privilegiado em relação a variadíssimos outros crimes quanto às pessoas que aqui poderíamos estar a enumerar à náusea.

Assim, Sr. Deputado, e embora tenha pessoalmente muitas dúvidas em relação à instituição do inquérito preliminar e sua constitucionalidade— não vem muito a propósito, mas já agora fica dito —, penso que, tendo em atenção a lei vigente, nenhuma destas propostas poderá ter o nosso acolhimento, em virtude do conjunto de regras e de fundamentos que acabo de expor.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Correia Afonso pretende responder, mas antes vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, que pretende igualmente dirigir-lhe algumas questões.

O Sr. ¡osé Magalhães (PCP): — Exactamente, Sr. Presidente. Era só para aditar às considerações do Sr. Deputado José Luís Nunes, com as quais, aliás, estamos de acordo e que nos parecem muito pertinentemente invocadas, a nossa impressão de que esta proposta do PSD é verdadeiramente lamentável.

Só tenho memória de ver propostas deste tipo dos artigos que podemos ver dos anos quarenta, em que havia determinados próceres da proibição à viva