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8 DE FEVEREIRO DE 1984

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vãmente, numa lei sobre o aborto não acabe por sair um «aborto jurídico», pelo menos nesta parte.

Ê que, quando digo que o médico, neste caso concreto, e nas hipóteses prefiguradas deve ser liberto do segredo profissional, é porque o médico está directamente envolvido — os actos são dele —, ele não vai contar nada a respeito da mulher grávida, mas vai contar aquilo que fez. Não há segredo profissional em parte nenhuma do mundo que cubra os actos de qualquer profissional, seja ele médico, advogado, ou outro qualquer — mesmo padre —, se os actos que ele praticou forem criminosos.

Não há, Srs. Deputados, segredo profissional que se justifique, em qualquer sítio do mundo, para evitar a investigação ou a instrução de processos criminosos. Isto é muito importante, porque se trata de ir à origem da fundamentação do segredo profissional.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: —Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS):—O que o Sr. Deputado está a referir é muitíssimo correcto. Já agora desculpe-me a incorrecção de há pouco, quando falei em bastonário, porque, como de vez em quando penso em termos franceses, estava a pensar no bastonário (des barreaux), mas, de facto, entre nós é o presidente do conselho distrital da Ordem que decide nessa matéria.

O que V. Ex.° diz é muitíssimo correcto, simplesmente o que refere na sua proposta de aditamento é o seguinte: «Cessa o dever de sigilo profissional previsto no número anterior [...]», e o número anterior diz assim: «os médicos [...] ficam vinculados ao dever de sigilo profissional [...]».

Portanto, é evidente que há uma diferença fundamental entre o sigilo profissional, que é uma coisa, e as declarações que alguém presta ou pode prestar quando acusado de um acto ilícito, do ponto de vista criminal ou disciplinar. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. E volto a repetir que não quero dar lições a ninguém e muito menos ao Sr. Deputado, mas, simplesmente ...

O Orador: — Oh, Sr. Deputado, permite-me invocar esta minha experiência profissional na medida, e só na medida, em que entendi que era necessário, pois não sou nada do género de invocar a minha experiência ou autoridade ...

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Nem eu, Sr. Deputado. Mas sublinho isso porque V. Ex.a disse que eu lhe queria dar uma lição, quando desde o princípio venho referindo que o Sr. Deputado conhece este assunto tão bem ou melhor que eu próprio.

Simplesmente, a questão do sigilo profissional é aqui uma questão completamente diferente. Se um médico é acusado de ter cometido um acto criminoso ele pode. acerca dos factos da sua defesa própria, invocar uma razão muito simples para estar calado, que é a de que não quer falar.

Quer dizer, o acusado em qualquer processo, criminal ou disciplinar, pode em qualquer momento

recusar-se a prestar declarações. Ê duvidoso — e sublinho o duvidoso porque pessoalmente não partilho dessa dúvida, mas sei que opiniões muitíssimo abalizadas a levantam— que ele o possa fazer antes de estar qualificado, por qualquer forma, como arguido. Mas, a partir do momento em que é qualificado perante o processo como arguido, como réu ou como acusado, não há dúvida nenhuma que ele não é obrigado a dizer mais nada. E antes disso? Antes disso creio que, desde que ele pense que as suas declarações podem pôr em risco a sua defesa, também não é obrigado a dizer rigorosamente nada. Embora, como lhe digo, muito boa gente pense o contrário acerca desta matéria.

Agora isto nada tem a ver com o que aqui está. O que o Sr. Deputado Correia Afonso escreve na proposta do PSD é o seguinte: «Cessa o dever de sigilo profissional previsto no número anterior [...]» Supúnhamos que em vez de estar «cessa o dever de sigilo profissional», estava «cessa o dever de sigilo». Não adiantava, porque o número anterior chama-lhe «sigilo profissional».

Por que é que aparece aqui o número anterior? O Sr. Deputado há pouco, numa resposta que deu ao meu colega deputado Jorge Lacão, disse uma coisa interessante e que tem muito fundamento, é que este artigo 5.°, se reproduz o Código Penal, está aqui a mais. Simplesmente ele reaparece aqui porque, se em relação aos médicos não há dúvida nenhuma — dado o seu estatuto que criminal e disciplinarmente os obriga ao sigilo profissional— já será duvidoso que essa obrigação disciplinar apareça em relação a certos outros profissionais de saúde que não dispõem de ordens, e já é mais duvidoso ainda — para não dizer que não é certo— que isso exista em relação ao restante pessoal dos estabelecimentos em que tais intervenções se poderão praticar.

Portanto, esta disposição surge aqui não para inovar em matéria de sigilo profissional — e dou-lhe toda a razão, não há qualquer inovação — mas para alargar a obrigação do sigilo profissional a casos que ele poderá ser duvidoso ou até inexistente. E porquê?

O Orador: — O Sr. Deputado está-me a fazer uma interrupção, não está?

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Tem toda a razão, Sr. Deputado Correia Afonso, a interrupção faz-se nos termos limitados pelo orador e, na verdade, usei e abusei da possibilidade que V. Ex.a me facultou.

O Orador: — O Sr. Deputado José Luís Nunes deu agora uma sugestão extraordinária que resolve todos os problemas.

Se isto é o mesmo que está no Código Penal, mas com o sentido de alargar esse regime, então por que não se põe este artigo só assim:

É aplicável a todos os que intervêm no processo de interrupção voluntária de aborto, o disposto no artigo 184.° do Código Penal.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Se isso resolve o problema para si, e sem me obrigar a essa redacção, pois necessito de a ponderar, não tenho dúvida nenhuma em aceder, porque fica inclusive mais forte do que aqui está.