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8 DE FEVEREIRO DE 1984

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do aborto ou da interrupção voluntária da gravidez, tem outra incidência que é, digamos, a da separação dos poderes do Estado ou, nomeadamente, a inserção no poder judicial.

Parece-me que este segredo profissional redefinido em termos absolutos, envolve efectivamente uma colisão que me atreveria até a projectar em termos constitucionais. Compreendo também, por outro lado, que os médicos não podem estar sujeitos a terem que, eventualmente, afastar ou ultrapassar esse sigilo profissional. Daí que no n.° 2 que propomos em aditamento a este artigo se diga que «cessa o dever de sigilo profissional quando os médicos sejam chamados a depor em processo de natureza criminal instaurado por crime de aborto». Portanto, já estamos aqui na área do poder judicial.

Seguidamente, e para que as pessoas envolvidas nessa prática — a mulher que abortou e o médico que interveio— estejam livres, nomeadamente de quaisquer intervenções ou actos policiais menos agradáveis, estabelece o n.° 3 que, denunciado um crime de aborto, ele começa imediatamente em regime de instrução preparatória. Quer isto dizer, para aqueles que não estão muito versados nesta área, que não é a polícia que vai proceder à instrução, mas um juiz — isto é, essa instrução cabe já ao corpo dos magistrados, tal como está previsto na Constituição—, o que dá garantias de imparcialidade e de tratamento, de qualquer forma diferente do policial.

Ê uma preocupação para nós que não tem nada a ver com o resto do problema do aborto.

Por outro lado, esta circunstância de se dar a um médico o poder de decidir — o que está certo, pois ele está lá na altura—, mas depois conferi-lhe o direito de não dizer nada a ninguém, seja qual for a instância que queira saber o que se passou, parece que invade, efectivamente, uma esfera que nos cumpre salvaguardar, até por exigência constitucional.

Esta a explicação para a nossa proposta.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Macedo.

O Sr. António Macedo (PS): — Queria pedir ao Sr. Deputado Correia Afonso que me figurasse e concretizasse o caso que considera previsto no n.° 2 que propôs em aditamento a este artigo 5.°

Ao mesmo tempo peço licença para nesta única intervenção que faço, declarar que foi com imensa satisfação que vi actuar o Sr. Deputado Correia Afonso. A sua dignidade, a sua correcção e a sua simpatia, apesar de aqui ter funcionado como «Cardeal-Diabo», faz com que me sinta na obrigação de lhe prestar os meus cumprimentos, lamentando apenas ter de fazer esta objecção final, porque, na verdade, não entendo o que se está a prever neste n.° 2 que propõe.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Correia Afonso pretende usar da palavra, não é verdade?

O Sr. Correia Afonso (PSD): — Se V. Ex.tt me permitir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD):— Sr. Deputado António Macedo, queria-lhe agradecer as suas palavras

e dizer que não sou «Deus», mas também não gostava de ser «Diabo». Nem tanto, nem tão pouco! Mas, de qualquer forma, estou-lhe muito grato pelas suas palavras amáveis.

Entrando propriamente no seu pedido de esclarecimento, gostaria de lhe dizer que este projecto, no fundo, mantém a filosofia que existia em termos de Código Penal, mas vai desinserir daquela área de penalização do aborto ou da ilicitude determinados casos a que chama exclusão da ilicitude. Portanto, como disse há pouco, este projecto funciona em termos excepcionais.

O que é que isto quer dizer? A regra é: todo o aborto é crime. E lembro aos Srs. Deputados que não estou a introduzir por minha alta recriação uma palavra que eu sei que é desagradável, mas apenas a referir o que diz o Código Penal. Qual a excepção? São, exactamente, estes casos.

Esta é, portanto, a filosofia deste projecto de lei. E, repito, isto é muito importante: tudo é crime; rebuscando, é lícito apenas o que está aqui. Trata-se, assim, de um raciocínio, digamos, a contrario, é a definição por a excepção.

Se é assim, e agora passo a abordar directamente a questão que o Sr. Deputado me colocou, se se trata de chegar à definição por a excepção então poder acontecer, e eventualmente acontecerá, ela terá de ser provada. E isto porque a regra, em termos de aborto, é ser crime. Portanto, qualquer destes casos pode, eventualmente amanhã, ter que ser provado no sentido de que não se trata de crime, e não é crime se se passar o que está aqui previsto e contemplado neste projecto.

Ora, vamos admitir, aproximando-nos mais da matéria de facto, que uma situação destas —e pego, por exemplo, na alínea b) do n.° 1 do artigo 140.° — aparece e que o médico, devidamente documentado ou convencido, pratica a intervenção. Tudo perfeito.

Mas, e dentro do raciocínio que fiz há pouco — porque em relação ao aborto a regra é ser crime—, admitamos que há uma suspeita qualquer, que até pode ser de familiares, que pode ser ausência de consentimento ou qualquer outra que provoque todo este processo. Essa suspeita, ao provocar o dito processo, não entra no âmbito da competência da autoridade policial, mas, ao contrário, entra imediatamente na instrução preparatória e é logo entregue a um juiz. Simplesmente, quando ela chega ao juiz e este chama o médico para ser ouvido depara com um mutismo total, ficando assim bloqueada toda a possibilidade de se saber o que se passou, que até pode ser perfeitamente lícito e se assim fosse o processo seria arquivado depois de o médico falar.

Agora, se o médico, invocando este projecto de lei, disser que não responde, em lugar de estarmos a criar a licitude para certos casos de aborto pode acontecer que em termos públicos o que começa a surgir é uma falta de clareza e transparência sobre o que é que está a acontecer em termos de aborto, porque não se sabe e porque o médico tem o direito de responder que nada diz. E isto, repito, mesmo nos casos em que o aborto seja lícito.

Sr. Deputado, não sei se fui suficientemente claro, mas era isto, mais ou menos, que lhe queria responder.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.