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7 DE NOVEMBRO DE 1984

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da Biblioteca Nacional, e pelo mesmo exonerou--me das respectivas funções a partir de 6 de Outubro.

Entrámos para esta casa em 18 de Janeiro, colhidos de surpresa por um convite sob a égide de Jaime Cortesão e do chamado Grupo da Biblioteca. Aceitamos o desafio com alto sentido da responsabilidade, mas também com entusiasmo, que foi crescendo, de realizar uma obra à altura dessa ple'ada e do sentido desta instituição na cultura e na sociedade portuguesa; sentíamo-nos capazes de a levar a cabo, porque, com mais de quarenta anos de estudo, experiência e reflexão, ainda nos mantínhamos dispostos a aprender com aqueles que aqui trabalhavam e a estudar os problemas novos que se nos punham. Destaco, antes de mais, o ambiente de simpatia e pronta colaboração com que fui acolhido. A pouco c pouco ir-se-ia transformando esta casa numa comunidade científica, de modo a bem valorizar os tesouros do legado cultural de que é depositária, e que são ímpares, mesmo à escala internacional. Cem tais tesouros erguer-se-iam a criação cultural e a investigação científica, redefinindo a identidade nacional e lançando-nos de novo no humanismo universalizante para que a nossa história aponta.

Quereria pois deixar um público testemunho de louvor à esmagadora maioria do pessoal de todos os sectores e escalões desta Biblioteca Nacional, que tem trabalhado com dedicação e, quantos até, com sacrifício. Foram numerosos a aderir, de bom grado e mesmo com esperança, a um programa que continuamos a julgar o mais conveniente para garantir o futuro desta casa no prestígio e na eficiência.

Ê forçado e com amargura que deixo o vosso convívio e as actividades que estava a desenvolver para insuflar aqui uma vida nova. Os quadros, só em metade preenchidos, exigem, sem discussão, que se abra o ingresso aos que não têm vínculo à função pública. A Biblioteca Nacional tem de ser um centro de alta formação, com carreiras específicas — biblioteconómicas, científico-culturáis, de conservação e restauro de espécies, quantas mais, em permanente diálogo e colaboração sem barreiras.

Mas, se sou forçado a abandonar esta casa, isso deve-se à obstinação com que o Ministério da Cultura, provavelmente escudado noutras instâncias, seguiu uma linha de conduta para com esta instituição e o seu director que conduzia inevitavelmente a este resultado. Acumularam-se dislates, avolumaram-se picuinhas que deviam ter sido logo desfeitas, cometeram-sc omissões graves e mais graves distorções, num crescendo em que cada erro era coberto por um erro maior, como se estivesse montada uma longa manobra destinada a impedir o director de exercer as suas funções e a levar a instituição a perder a sua autonomia. Não nos iludamos: neste processo que até parece conduzido por mão invisível, conjugaram-se ambições — dos que aspiram a este lugar mas não conseguem impor-sc senão pela intriga, das seiius que visam a controlar os fundos à guarda da Biblioteca Nacional, dos que pre-

tendem manipular a instituição em proveito próprio e dos apaniguados, dos que não querem que o autêntico espírito de Jaime Cortesão e seus companheiros volte a habitar estes lugares (satisfá-los-ia um conjunto de cerimónias rituais, visto terem horror das novas visões e da pesquisa cientificamente guiada). Amontoam-se sobre a Biblioteca Nacional, no sentido de lhe retirar funções que são as suas: o catálogo colectivo, a catalogação na fonte, novos sistemas de classificação e indexação ligados à futura informatização devidamente planeada e na linguagem, adequada, a elaboração e emanação de normas de reprodução de obras culturais, o traçar de um plano nacional de edições, as publicações eruditas, a preservação dos fundos feita por pessoal próprio e as oficinas próprias, a investigação dos problemas de Portugal e dos Portugueses, em perspectiva histórico-estnitural e integrados no vasto mundo, em especial na Península Ibérica. Como muitos não querem a obediência a ética na utilização dos fundos, entendera a documentação como arma de propaganda e não ponto de partida, e de chegada, por um trabalho rigoroso, crítico, imparcial.

Cabe ao Ministério a responsabilidade de nunca ter dado um passo, um único sequer, tanto para resolver os problemas da Biblioteca Nacional, como para levar este novelo de questões a uma solução conforme com a justiça, os imperativos morais, os interesses nacionais. Nunca foi capaz de reconhecer um erro, e muito menos de o corrigir. No entanto, nunca o ministro foi capaz de contrapor um argumento — um só argumento que fosse— à nossa argumentação, e nunca compreendeu que o que estava em jogo eram questões de dignidade —da instituição e do seu director — e não apenas questões materiais. Cabe ao Primeiro-Ministro a responsabilidade de ter lavado as mãos como Pilatos — não se deve ter lembrado das exigências da Pátria na esfera da cultura e dos valores fundamentais. Afigura-sc-nos que nas chamadas altas esferas sc não faz a mínima ideia do que é uma Biblioteca Nacional, nem as outras instituições do legado cultural.

Se a essas instâncias decisórias cabe única e exclusivamente a responsabilidade da nossa partida, tal não diminui o desencanto que sentimos por, uma vez mais, nos impedirem de servir o País da melhor maneira c segundo a nossa capacidade, nem atenua a gravidade de pôr cm causa este malbaratar do futuro de Portugal, que só com homens «difíceis» se salvará.

A todos os que trabalham nesta casa c não aceitaram servir de «peões de brega» de ingerências dc toda a ordem, exprimo o reconhecimento por me terem integrado na sua família e comigo colaborado arduamente e com lealdade. Concito-ns a cerrarem fileiras a fim dc defender um;i instituição cimeira assediada pelas alforrecas. V. faço votos para que possam prosseguir uma missão que tracei e me impus, e cujo seniido esiá singelamente em traduzir o nosso amor por Portugal e o imperativo da verticalidade, da honradiv. da competência, sem as quais continuaremos atolados no fundo do pântano.