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II SÉRIE — NÚMERO 30
De entre os obstáculos que se opõem à sua consecução, assume importância decisiva o que resulta da fraca dimensão e da fragmentação da propriedade e da exploração florestais em muitas zonas do País, com incidência nas mais aptas à produção lenhosa.
É neste quadro que se deve situar as disposições contidas na proposta de lei a seguir apresentada.
O conteúdo do artigo 1.° e o direito de preferência a favor do Estado consignado no artigo 3.° visam um fim comum, consubstanciado em acções de correcção fundiária, ainda que no último caso de uma forma por vezes mediata (artigos 6.° e 7.°).
Para além do incentivo que a estas acções se proporciona através do artigo 8.°, o restante articulado procura, na linha dos objectivos de início definidos, criar limitações ao desempenho de funções produtoras de matérias-primas silvícolas por entidades estranhas ao sector primário. Como é evidente, a produção dessas matérias-primas em escala apreciável pelo sector secundário seu utilizador contribui para enfraquecer o sector primário e acentuar a sua situação de dependência.
Em primeiro lugar, um grau significativo de au-toabastecimento industrial agrava em desfavor dos produtores primários as condições de mercado. Considere--se, por exemplo, o caso da rolaria de pequenas dimensões procurada pelas indústrias de celulose e de painéis. A primeira destas indústrias detém já hoje áreas florestais suficientes para que a sua influência na formação dos preços, face a uma oferta pulverizada, já largamente preponderante. E a acção moderadora do Estado não chega para anular as realidades do mercado, aliás agravadas, do ponto de vista da produção, pela actuação dos agentes intermediários, dado que a fixação de preços se reporta apenas ao material colocado à porta da fábrica.
Daqui resulta uma repartição assaz injusta dos rendimentos gerados, a nível global, a partir da matéria--prima lenhosa, com implicações sociais fáceis de imaginar. Mas a sua repercussão não se limita à classe dos produtores florestais; pelo contrário, assume importância do ponto de vista da comunidade nacional. Não só dificulta a pretendida expansão da actividade florestal primária, ao provocar o retraimento daqueles produtores, como este facto não deixará, no futuro, de afectar a própria indústria, a começar pela de madeira maciça cuja matéria-prima é altamente valorizada e objecto de transformação que lhe podem acrescentar elevado valor por unidade transformada.
Numa perspectiva regional, os reflexos negativos não são menos evidentes, porquanto, deixando a exploração de recursos próprios das regiões a entidades a elas exteriores, frequentemente mesmo estrangeiras, aliena rendimentos locais, contribuindo para acentuar as diferenças entre regiões e, no caso, até entre países, beneficiando os mais ricos do financiamento dos mais pobres. Finalmente, este tipo de integração vertical gera o absentismo, dificultando a fixação de activos, nomeadamente dos empresários competentes e profissionalizados de que tanto carecemos.
Na óptica da conservação dos recursos naturais, da qualidade do ambiente e da continuidade a longo prazo das actividades (primárias e secundárias) florestais instaladas, os inconvenientes da integração industria-floresta, em especial quando tal integração se processa em torno de uma indústria isolada, são também elevados.
Com efeito, a adopção, ao nível do sector primário, de critérios unilaterais de origem industrial —nomeadamente a redução do leque das espécies utilizadas em vastas zonas, como regra com tendência para a monocultura, a escolha de explorabilidades tecnológicas cem encurtamento drástico das revoluções, a artific'a!'zação dos processos produtivos — arrasta marcados inconvenientes de ordem ecológica, dificultando ou impedindo o alcance dos objectivos não produtivos que ao subsector florestal se exigem.
A própria especialização que uma tal orientação, a ter continuidade, geraria em fracções importantes das nossas áreas de uso florestal poderia fazer correr, a prazo, os desnecessários riscos que unia produção de tipo não diversificado comporta. Sem falar da satisfação das próprias necessidades do mercado interno em madeira de qualidade, preenchidas actualmente em parte com recurso a importações que assim não deixariam de crescer, quando temos condições para as ir substituindo por produção própria. Quer dizer, mesmo de um restrito ponto de vista económico, a escolha da integração nas condições indicadas seria, a prazo, altamente comprometedora.
Não se analisa aqui a perspectiva de uma integração vertical total indústria-floresta, mesmo a que poderia ser feita à base de complexos industriais diversificados, por se entender que um tal modelo não tem entre nós cabimento. Considera-se, pois, que a detenção e apropriação de áreas florestais por emprsas do sector industrial não são desejáveis para além de certos limites, e dentro deles se devem manter.
Objecta-se, por vezes, com a necessidade de garantir o abastecimento dessas empresas em matérias-primas. Considera-se, porém, não haver perigo de rotura desde que as capacidades industriais instaladas não vão além das possibilidades actual e previsível a prazo, preten-dendo-se que os programas de expansão do uso florestal a novas áreas alcancem dimensão suficiente não só para manter mas até para ampliar o conjunto das unidades transformadoras. O verdadeiro risco de falhas no abastecimento reside nas limitações dos quantitativos produzidos e não na apropriação da produção.
No presente e dada a sua fraqueza financeira, o produtor primário não pode nem quer armazenar as possibilidades — tende mesmo a realizar os crescimentos comercializáveis ou mais —, pelo que urge, aliás, regulamentar os cortes, aspecto a que a integração numa Europa altamente deficitária em material lenhoso confere o carácter de necessidade urgente. Basta, pois, que as nossas indústrias sejam competitivas em mercado aberto para, mesmo com recursos aos intermediários — madeireiros —, as vantagens da localização se fazerem sentir e o probienia do abastecimento jamais se pôr ou se pôr de modo irreversível. De um ponto de vista nacional, aliás, não nos interessaan indústrias não competitivas, quer próprias, quer, com mais força de razão se é possível, estrangeiras. A eventual ineficácia ou a cobiça de um sobrelucro, por vezes exportável, não pode ser pago pelos produtores primários sem graves inconvenientes para. o desenvolvimento sustentável do subsector que, evidentemente, acarretariam riscos e inconvenientes paralelos para o País.
Crê-se que estas considerações bastarão para avaliar o fraco fundamento das apreensões expressas pelas indústrias em causa. De resto, estas poderão ir mais