O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

27 DE MAIO DE 1985

3049

como crítica velada e simulada e a apetência facilitada para a repetição, que se torna muitas vezes incómoda, o que é também natural, porque a verdade sempre foi incómoda. Contudo, a degradação aparece — e aqui é estranheza— como uma entidade metafísica, quase como um jogo de marionettes, com o devido respeito por tal jogo.

Os responsáveis parecem não existir e isto é evidente. Talvez não seja tão estranho como à primeira vista possa parecer. É o reflexo de um governo que não governa e dos partidos políticos que o apoiam, que não existem porque não se assumem, porque não se responsabilizam perante nada e ninguém.

Tenho assistido como deputada na Comissão de Ensino e Cultura a cenas destas, muitas e muitas vezes, em muitas escolas deste país.

Permitam-me ainda uma segunda referência à minha participação nesta Conferência. Irei, porventura, tornar eufemística já algumas participações aqui referenciadas, mas farei questão de que a minha intervenção seja objectiva e concreta e que não esteja dependente de qualquer identidade também metafísica, não possível, não palpável, não existente.

Começaria por dizer que falar de jovens, de progresso, de educação constitui hoje no nosso país, por exclusiva obediência à verdade — a tal que incomoda—, um libelo acusatório à política governamental.

Não chega que os responsáveis por essa política façam a listagem, como têm vindo a fazê-lo, ontem e hoje, da degradação.

É preciso que esclareçam que nada fizeram até hoje para a minimizar. Isto efectivamente não foi ainda dito. Quer através de medidas de primeira página ou de meros faits divers, o governo PS/PSD produz e reproduz ataques à democracia e aos ideais de Abril. Ê a sintomatologia do desespero, é a agonia dos dias contados, é a certeza de quem não vislumbra o futuro.

Mas, nesta luta contra o tempo, o caos instala-se e onera particularmente todos os que lutam pela defesa da independência nacional e de um futuro não hipotecado.

A política governamental degrada a degrada-se. Fomenta a restauração de antigos privilégios, caminha ao invés do desenvolvimento económico, da justiça social, da liberdade. O Parlamento, aqui ao lado, cauciona estas medidas.

Numa atitude de tal submissão ao Fundo Monetário Internacional, efectuam-se drásticos cortes em sectores sociais fundamentais, como a educação, a saúde e a habitação. E as consequências desta política de desastre aí estão, não se fazem esperar: é o aumento' do desemprego e a inexistência de novos postos de trabalho, que atingem milhares de famílias portuguesas e particularmente os jovens.

Em 1980. em 320 000 desempregados, 53,4 % procuravam o primeiro emprego e, do total de desempregados, 65,5 % tinham menos de 25 anos.

Todos os que contactam com a juventude verificam os reflexos sociais e psicológicos desta situação, de que resultam uma grave crise de valores e a ausência de perspectivas de futuro.

São os salários em atraso, a gradual perca do poder de compra, a fome e a miséria que se instalam em muitos lares. Mas isto o Governo e os partidos que o

apoiam não conhecem. Faz parte da entidade metafísica.

O sector educativo é no seio deste painel mais um alvo de ataque, mais uma síndrome da incompetência.

Possuímos a mais baixa taxa de escolarização da Europa. Os números falam por si. Apenas 11 % do grupo etário dos 3 aos 6 anos frequenta a educação infantil; cerca de 20 % dos jovens não completa a escolaridade obrigatória de 6 anos; 45 % não chega a completar o 9.° ano; 67 % não prossegue estudos para além do 9." ano e só 8 % a 10 % prossegue estudos do ensino superior. Dos deficientes menores de 16 anos somente 4 % são abrangidos pelo serviço de educação e ensino especial e cerca de 20 % da população maior de 15 anos é liberalmente analfabeta.

Mais de meio milhão de crianças e jovens terminam o ano escolar sem sucesso.

O abandono do sistema de ensino atinge elevadíssimas taxas, penalizando, quer um quer outro, as crianças e os jovens oriundos de sectores sociais mais carenciados.

E apenas um exemplo, porque muitos haveriam com certeza, o dos trabalhadores-estudantes, sujeitos a um regime que, pelo menos, é desumano e bárbaro.

Os respectivos programas são iguais aos do ensino diurno, mas o número de horas de aula é menor. As matérias e manuais foram elaborados para alunos com idades muito mais baixas. A taxa de desistência é enorme. Qualquer professor sabe que, de uma turma de 30, restam, no fim do ano, 2 ou 3 alunos, quando nenhum.

Temos um sistema desajustado da realidade e das necessidades sócio-económicas, incapaz de proporcionar ao jovem uma formação profissional que lhe permita uma correcta inserção no mundo do trabalho.

Mais de 2 milhões de estudantes, mais de 100 000 professores e perto de 4 milhões de pais e encarregados de educação são atingidos diariamente por uma política de rotundo fracasso, alheia ao caos que prolifera dentro e fora da comunidade escolar.

Ê a superlotação das aulas; são as instalações escolares que não funcionam por falta de condições; são as bibliotecas e as instalações gimno-desportivas que se extinguem; são os pátios de recreio que subitamente são invadidos por pavilhões pré-fabricados; são as escolas inacabadas e já inauguradas.

O início de cada ano lectivo é sempre sinónimo de dezenas de milhares de alunos sem aulas, dezenas de escolas sem condições para abrir, de professores e funcionários por colocar.

As construções e reparações funcionam como publicidade pré-eleitoral, e só quando a desgraça bate à porta, como aconteceu na Escola Secundária do Cartaxo, se tomara medidas, apressadas e quase sempre incorrectas.

A escola é hoje, indesmentivelmente, um local de frustração, insegurança e desmotivação, mas fora da escola a situação não é melhor. Cada vez mais, estudar é privilégio de alguns e não direito de todos.

Marginalizados do sistema de ensino, os jovens encontram as únicas opções que não lhes são recusadas, antes consentidas e fomentadas. A droga, a prostituição, a delinquência, o suicídio são caminhos percorridos infelizmente por muitos. E não se diga que a responsabilidade por tal situação não pode ser assacada ao actual governo.