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27 DE MAIO DE 1985

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«hermetizada» por uma utilização política. A expressão «encavacar», hoje, tem um sentido diferente daquele que tinha ainda há uma semana.

Risos.

Há ainda outras palavras que, por força da dinâmica desta luta política, adquirem um sentido diferente.

Em boa verdade, podemos dizer que, sob esse limitado ponto de vista, a política é perniciosa, pois retira do património linguístico, que é colectivo e que ninguém nos pode negar, a utilização de expressões que têm um significado mais nobre e mais elevado do que aquilo que, por vezes, a luta política nos obriga a tirar como primeira e mais imediata conotação.

Isto para dizer que a palavra «produtivo» ou «sector produtivo» é na sociedade para que estamos a caminhar um conceito que temos de redefinir.

Em boa verdade, não podemos dizer, por exemplo, que o bicho-da-seda é produtivo, mas a educação é improdutiva, ou que fabricar rolhas de cortiça é uma actividade produtiva, mas tratar da saúde é uma actividade não produtiva.

Não queria aqui trazer a leitura de Alain Tourraine, sociólogo francês, a propósito do que é um sector produtivo ou não produtivo, mas julgo que, mesmo na nossa produção colectiva e na produção da comunidade que somos, também temos que fazer uma redifi-nição.

Ê que, se ficarmos apenas com a concepção tradicional c, porventura, mais marxizante do conceito do que é ou não é produtivo, na nossa ordem de prioridades acabaremos por considerar que matérias que, de acordo com a nossa opinião, merecem um investimento significativo, como é o caso da educação, porque não as contemplamos no leque dos sectores produtivos, não terão direito a um lugar nobre nas nossas preocupações e no destino dos fundos do Estado.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito, queria informar todos os participantes de que, de acordo com o critério que tinha ficado estabelecido antes do intervalo do almoço e de molde a podermos introduzir o debate sobre o segundo subtema deste painel, a mesa considera encerradas as inscrições para que não ultrapassemos o limite das 16 horas que nós tínhamos imposto.

Tem, agora, a palavra o Carlos José, da Juventude Comunista Portuguesa.

O Sr. Carlos José (JCP):—Antes de me referir a alguns aspectos que aqui foram tratados, queria fazer duas considerações rápidas.

Em primeiro lugar, tem-se dito aqui muito que a JCP e os comunistas portugueses têm a posição fácil de, perante os problemas, dizerem: «O Governo é o responsável.»

Segundo mentes mais avisadas e mais elaboradas, não é bem assim, pois o problema é da sociedade e tem a ver com as consciências e com as mentalidades.

Ora, o que nós perguntamos é para que serve um Governo e para que serve uma Assembleia da República manipulada. Ou seja, para que é que serve um Governo que tem medidas, que as aprova, as leva à prática e as impõe e para que é que serve uma Assem-

bleia da República com uma maioria que aprova um conjunto de leis que são, de facto, eficazes e que regem a vida do País.

Se, de facto, se entende que a situação está mal, perguntamos por que é que as pessoas que aqui dizem que a situação está mal não dizem na Assembleia da República: «O Governo está a agir mal. Não aprovamos isso, somos contra isso. O Governo que se vá embora e que faça outra política.»

De facto, a questão dos* responsáveis tem que ser desmistificada. Sem dúvida que entendemos que o Governo é o responsável.

Quando aqui se diz que «o problema é de toda a sociedade e por isso tem a ver connosco», nós perguntamos o que é que o Governo faz às propostas da sociedade, o que faz às propostas dos sindicatos, às propostas dos jovens, às propostas das associações de estudantes.

É que o Governo agarra nestas propostas e mete-as no cesto dos papéis ou, na melhor das hipóteses, na gaveta e nada faz com elas, isto é, faz ouvidos de mercador e continua a impor cegamente a sua política.

De facto, esta coisa de mascarar o problema dos responsáveis com elucubrações e discursividades abstractas e metafísicas não resolve coisa nenhuma.

Ê que dizer, no abstracto, que a sociedade é responsável está bem, mas há alguém que governa a sociedade e é o Governo o responsável pela política, é ele que governa, que impõe as medidas e que dispõe dos mecanismos repressivos para impor a sua política.

Portanto, é ele o responsável e não qualquer entidade metafísica.

Por outro lado, queria dizer que a JCP tem sido acusada de vir aqui para esta reunião com discursos preparados em casa, discursos vagos que não dizem nada de novo nem nada de concreto.

Ora, eu penso que a JCP tem dado a participação mais válida a esta reunião. Digo isto porque nenhuma organização tem apontado com tanta clareza e com tanta objectividade os reais problemas com que a juventude se debate.

Ê que os problemas com que a juventude se debate não são problemas de mentalidade, de consciência nacional ou problemas muito abstractos, mas são, sim, problemas muito concretos, muito terra-a-terra, começando logo desde tenra infância e indo por aí fora. E são tão simples, tão básicos, como ter dinheiro para comer, ter dinheiro para estudar e ter dinheiro para mais alguma coisa além disso.

Ora, estes não são problemas abstractos, são problemas muito concretos, são estes com que a juventude hoje se debate. Convém que as pessoas tenham a coragem de os assumir e de apontar quem são os responsáveis, quais são as causas e como é que se muda a situação.

Já agora, aproveito para dizer que a melhor forma de as pessoas quererem fugir às discusões é dizerem: «O discurso é velho, a linguagem é ultrapassada.» Isto é, nunca se discutem ideias, nunca se discute os que as pessoas realmente dizem, o que se discute é o discurso, a linguagem, as palavras. É a forma mais fácil.

Quando dizemos que o Governo é o responsável por esta situação, as pessoas não dizem que não é ele o responsável ou que até tem tido uma política de acordo com os interesses da juventude. Ninguém diz