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1808-(10)

II SÉRIE — NÚMERO 49

30 — Explicitado nas suas linhas gerais todo este sistema, não poderia perder-se a oportunidade para situar o regime daquilo a que o projecto chama medidas cautelares e de polícia.

Trata-se de uma categoria conceituai nova no nosso direito processual penal que, como o próprio nome sugere, visa uma finalidade conservatória relativamente aos meios de prova de natureza perecível e a tomada imediata de providências em circunstâncias tais que a mora — emergente do cumprimento do ritualismo processual ordinário, nomeadamente a obtenção da ordem ou autorização da autoridade judiciária competente — poderia implicar danos irreversíveis para as finalidades intrínsecas do processo penal.

Trata-se, a esta luz, bem se entende, de medidas de cariz excepcional em que —por não haver alternativa face à situação de necessidade em que elas decorrem — é data preferência à eficácia da acção conseguida; mas trata-se também de medidas em que o legislador não quis que fosse excepcionado o controle, ainda que ex posi jacto por quem em direito processual penal tem competência — regra quanto às matérias respectivas.

Atribui-se assim aos órgãos de polícia criminal a competência legal para praticarem actos cautelares necessários e urgentes para assegurarem os meios de prova, nomeadamente o exame dos vestígios dos crimes, a manutenção de pessoas no local do exame e a colheia de informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.

Permite-se-lhes a identificação —dactiloscópia e fotográfica, se necessárias— de pessoas que, não sendo capazes de se identificarem, poderão ser conduzidas ao posto policial mais próximo e compelidas a aí permaneceram pelo tempo estritamente necessário à idetificação. E tudo com a salvaguarda de se haver definido prudentemente em que haverá de consistir a suspeita fundamento do pedido de identificação retirando-se de amplas margens de discricionariedade que o direito vigente permite aos órgãos da polícia.

Facilita-se-lhes a obtenção junto dos suspeitos, bem como de quaisquer pessoas susceptíveis de fornecerem informações úteis, de elementos relativos ao crime.

Abre-se-lhes a via das revistas e buscas —exceptuando as domiciliárias— no caso de fuga iminente ou de suspeita fundada de que nos locais a buscar se encontram elementos susceptíveis de servirem a prova.

Possibilita-se-lhes, por fim, a suspensão da expedição de correspondência relativamente à qual seria legítima, em circunstâncias normais, a apreensão.

Tudo constitui matéria em que se poderia correr o risco de virem a prestar-se a utilizações abusivas as medidas que se programam. Mas um tal risco é suportável, por estarem paralelamente previstos tais mecanismos de segurança que quaisquer perversões do sistema serão rapidamente neutralizadas pelas forças orgânicas que ele próprio devidamente estruturou.

A nova filosofia processual penal assenta na legalização de meios de acção que até aqui se encontravam numa zona de semiclandestinidade. E faz-se isso de caso pensado, não pela opção de concitar para a solução fina! do problema criminal tudo quanto tem sido o submundo das vias de facto processuais, mas precisamente por ter ficado claro no espírito do legislador que, afinal, tudo quanto a lei processual penai desconsiderava para zonas alegadamente pré-proces-

suais e denominadas de investigação criminal eram, na prática, os meios normais de actuação do sistema naquelas fases em que o núcelo essencial da prova se estruturava.

O projecto inclui, assim, as medidas cautelares e de polícia, por não querer que haja processo penal que

— liofilizado nas suas prescrições fundamentais — deixe à sua margem aquilo que são os agentes dos seus sucessos mais exemplares. Trata-se, em suma, de redefinição de limites, mas também dos limites da verdade legal, aquilo de que ora se trata.

31 — Necessariamente dotado de um corpo de medidas de coacção e de garantia patrimonial, para que ganhem exequibilidade prática alguns dos seus comandes de natureza processual, o projecto procura alcançar soluções imaginativas numa matéria em que os mesmos fins podem por vezes ser alcançados sem a necessária privação da liberdade das pessoas, que é sempre aliás a solução mais fácil.

Houve por isso mesmo a preocupação de restringir os meios de coacção àquele desenho constitucionalmente compatível. Serve como exemplo a idenificação coactiva, que o articulado teve o cuidado de excluir do elenco das medidas de natureza coactiva, para que ficasse clara a sua natureza puramente instrumental.

E também houve o cuidado de, enunciando princípios como o da adequação às exigências cautelares em causa e à proporcionalidade do crime e às sanções eventualmente aplicáveis, estabelecer não só o já tradicional princípio constitucional da subsidiariedade da prisão preventiva como a definição de que a execução das medidas aplicadas não deve prejudicar o exercício dos direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.

De garantias acrescidas também se cuidou no âmbito do projecto relativamente a esta matéria, ao estipular, por um lado, que a aplicação das medidas em apreço depende sempre da prévia constituição como arguido

— de modo que ao sujeito por elas visado sejam concedidos os meios adequados de defesa — e, por outro lado, ao definir que nenhuma medida de coacção ou de garantia patrimonial deve ser aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

Quanto a medidas admissíveis, o projecto retomando, em matéria de medidas de coacção, institutos já estabelecidos pelo ordenamento anterior — como o termo de identidade e residência, a caução, a obrigação de apresentação periódica, a proibição de permanência, ausência ou contactos e a suspensão do exercício de funções, profissão e direitos—, adita figuras novas, não só maleabilizando o elenco já conhecido como introduzindo modalidades até aqui não experimentadas, como a obrigação de permanência na habitação, com a obrigação concomitante para o arguido de se não ausentar, ou de se não ausentar sem autorização da habitação própria ou de outra em que de momento resida.

E cria, sobretudo através das denominadas medidas de garantia patrimonial, meios fiáveis para a prossecução das finalidades processuais penais, nomeadamente ao permitir, paralelamente com a caução económica, o arresto preventivo, mesmo relativamente a comerciantes.