O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

9 DE JANEIRO DE 1987

1319

Europa, reflectida nas recomendações citadas no requerimento dos senhores deputados.

• Como anteriormente se sublinhou, a tarefa não pode considerar-se acabada, na medida em que vão surgindo novas (e nem sempre previsíveis com segurança) manifestações de delinquência, que se repercutem nos s interesses dos consumidores.

Algumas áreas em que essa delinquência tende a incentivar-se, como certas práticas relativas às chamadas vendas agressivas1 e às operações imobiliárias devem merecer, a curto prazo, uma revisão adequada, com eventual recurso ao direito penal, aí onde a gravidade dos interesses susceptíveis de lesão se não compadeça com as meras sanções civis e administrativas.

10 — Outra coisa é a tentativa de codificação de todo o direito penal protector dos interesses dos consumidores. Existindo, pelas razões supra-indicadas, o risco de rápida desactualização, parece que não será essa a via indicada.

Não se conhece experiência estrangeira que tenha conseguido tal codificação.

Assim, o legislador terá de contentar-se com a prática de leis ad hoc sempre que determinados comportamentos, pela sua gravidade e pelos danos ou perigo de danos, aconselhem o recurso à repressão penal, quer inovando, quer revendo as disposições incriminadoras sectoriais já existentes.

No que respeita ao Código Penal de 1982, actualmente em fase de revisão, não parece aconselhável introduzir-lhe novos tipos de crimes especificamente destinados à protecção dos interesses dos consumidores, para além daqueles que anteriormente íoram indicados.

O carácter mutável das formas de delinquência em que se traduzem as agressões contra tais interesses aconselha o seu tratamento em legislação penal secundária, pela sua mais fácil adaptação à realidade criminológica.

Em termos de política criminal não são aconselháveis modificações frequentes na legislação penal codificada, com os inerentes riscos para a sua desejável estabilidade. Além disso, o campo específico da delinquência económica, contra o ambiente e contra os consumidores, aparece dominado por concepções e princípios que cm larga medida se afastam da legislação penal comum, e que dificilmente se podem enxertar, sem quebra de unidade sistemática, nesta última.

ê o caso, v. g., da responsabilidade penal das pessoas colectivas, do particular repertório das sanções acessórias e da intervenção processual de entidades não directamente lesadas pelas infracções, bem como da própria dosimetria das penas principais e da relativa compressão das medidas não institucionais substitutivas da prisão, cujo campo preferencial de actuação se situa naquelas formas de delinquência, que se distinguem das formas clássicas do direito penal comum .

1 O artigo 62.° do citado Decreto-Lei n.° 28/84 ocupa-se de algumas destas práticas, tratando-as, porém, como ilícito contra-ordenacional e estabelecendo as sanções correspondentes (coimas).

1 No sentido preconizado no texto, v., do Prof. Figueiredo Dias, o excelente estudo «Para uma dogmática do direito penal secundário», separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência, a." 3714 a 3720, pp. 40 e segs.

11 — Como noutros domínios de ilicitude, as práticas contrárias aos interesses dos consumidores não dispensam uma adequada formação e informação dos mesmos, em particular no tocante aos dispositivDS legais que os protegem e aos direitos de intervenção nos processos judiciais ou administrativos.

O direito à formação e à informação está, aliás, consagrado na lei (artigos 8.° e 9.° da citada Lei n.° 28/81), constituindo, até, uma das actividades mais relevantes confiadas ao Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (artigos 2.°, 3.°, 4.° e 15.°, entre outros, do Decreto Regulamentar n.° 8/83).

As recomendações do Conselho da Europa vão nesse sentido, como solução de pendor essencialmente preventivo.

Também entre nós, como se vê, não faltam instrumentos legais adequados. E importa sublinhar que a actividade do referido Instituto tem sido meritória nesse campo.

12 — Resumindo:

a) O ordenamento jurídico português dispõe de um conjunto integrado de mecanismos legais tendentes à defesa dos interesses dos consumidores, em que avultam diversos tipos incriminadores de práticas lesivas daqueles interesses, completadas com uma já extensa série de tipos contra-ordenativos;

b) A natureza mutável dessas práticas lesivas de interesses dificulta a tentativa de uma codificação acabada, desactualizável a curto prazo;

c) Não é aconselhável a introdução de novos tipos legais de crime na legislação penal comum, face à especificidade da regulamentação que caracteriza a delinquência contra os interesses dos consumidores, que obedece a princípios e concepções que, em larga medida, se afastam dos que enformam aquela legislação, apontando para o seu tratamento preferencial em sede de legislação penal secundária;

d) O exposto não prejudica a revisão da legislação penal vigente nem a criação de nova legislação aí onde se detectem lacunas que convenha preencher, face à evolução da realidade criminológica;

e) Para tanto, porém, é aconselhável que o organismo especialmente vocacionado para a defesa dos consumidores (o citado Instituto Nacional de Defesa do Consumidor) proceda a um levantamento das situações reais que reclamem a revisão da legislação existente ou a criação de legislação nova, face aos dados da experiência, no uso da competência que a lei lhe confere [artigo 15.°, n.° 3, alínea b) e /), da Lei n.° 29/81 e artigos 2.°, n.° 1, alíneas o) e /), e 4.°, alínea a), do Decreto Regulamentar n.° 8/83], em ordem a definir uma política criminal racional e coerente que sempre deve assentar em indicadores de utilidade e de efectividade.

Eis quanto se me oferece informar.

Procuradoria-Geral da República, 19 de Novembro de 1986. — O Procurador-Geral-Adjunto, Manuel António Lopes Rocha.