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II SÉRIE — NÚMERO 70
Em suma, na vida dc cada pessoa essa deslocação pode acontecer duas ou três vezes, o que é, porventura, um aspecto negativo. Admito que o seja, mas, não sendo assim, cair-sc-ia numa siluaçüo absurda, que era a dc nüo aceitarmos aquilo que o Código dc Processo Penal vem hoje a admitir, e que ó, por exemplo, a repetição da matéria dc facto no tribunal da relação, que fica muito mais longe. E as testemunhas lá terão dc ir, quando for requerida essa repetição ou quando for requerida a presença dc algumas delas para que sc faça o julgamento na 2.' instância.
Neste caso, aquilo que, no fundo, é a razão dc ser da repetição, c portanto a garantia dc um duplo grau dc jurisdição, é mais importante do que o prejuízo que, no concreto, isto é, naquela situação atomística da vida daquela pessoa, é a sua deslocação a Coimbra, ao Porto, a Lisboa ou a Évora. E a deslocação é muito maior, já que teve dc ir ao tribunal dc círculo c depois ao tribunal da relação.
É um problema dc conflito dc interesses? Penso que não. É um problema dc sobreposição dc interesses c dc conflito dc sacrifícios. Isto é, há uma série dc sacrifícios que entram cm conflito c cuja opção deve ser feita cm função do resultado final, ou seja, daquilo que sc pretende obter, c não da solução pontual c casuística daquele conflito antropológicamente situado.
Para acabar este tipo dc argumcntaçüo rcsia-mc dizer que, quando há pouco referi o problema financeiro, nüo o fiz para justificar positivamente os tribunais dc círculo. Rcfc-ri-o para justificar negativamente as duplas corregedorias. Isto c, quando sc diz que a dupla corregedoria é mais barata do que o tribunal dc círculo, cu digo que esse argumento nüo serve, já que só é mais barata no imediato c a médio prazo é mais cara. Mas não vou buscar um argumento financeiro para justificar os tribunais dc círculo. Na minha perspectiva o tribunal dc círculo é sempre justificado a partir dc um princípio fundamental: garante uma melhor administração da justiça — digo melhor no sentido do seu conteúdo c daquilo que, como produto final, sc pode proporcionar ao cidadão.
No trajecto para sc conseguir essa melhor administração é possível que sc lenha dc pedir ao cidadão um sacrifício maior que aquele que leria sc tivesse o tribunal ao pé da porta, caso cm que lhe ficaria mais barato, mas que lhe dava um produto final porventura desproporcionado ao investimento financeiro que linha dc fazer.
É evidente que estou dc acordo quando dizem que esta proposta dc lei é uma proposta à procura do seu regulamento ou que exige o regulamento que nela devia estar ínsito, devendo, portanto, ser mais objectiva. Pela minha parte também nüo conheço o regulamento c, portanto, nüo posso fornecer os elementos que o Sr. Deputado me pediu, uma vez que nüo os conheço, nem quanto ao regulamento nem quanto a uma leilura dc levantamento cstatísúco-socio-lógico que me permita dizer sc nessa perspectiva a solução dos tribunais dc círculo c preferível à solução da dupla corregedoria. Volto a dizer que a sua defesa é aqui feita pelo CEJ cm nome do princípio, mas com uma profundíssima convicção dc que ele vai ser posto cm execução cm Portugal tão tarde, quando comparado com a evolução cultural da Europa, que, só por isso, sc justifica que o seja. Realmente, a nossa questão neste momento é a dc saber sc vamos ficar mais tcm|x> atrasados relativamente a unia nova forma dc administrar justiça, isto c, sc vamos continuar a gerir uma justiça que quase classificava dc tereciro--mundi.sta, não na qualidade ou no empenhamento das pessoas que a exercem, mas quanto à sua estrutura orgânica dc apoio, ou sc, pelo contrário, vamos, ainda que com alguns riscos, avançar um salto qualitativo que, ou sc toma
agora porque estamos diante dc uma nova lei, ou apenas sc tomará quando, daqui a vários anos, entendermos que c altura dc alterar a lei. Na minha perspectiva este c o momento cm que não devia haver hesitações nesse sentido.
Não tenho qualquer dúvida cm fazer esta afirmação quanto ao conteúdo, ao fundo, ao que há dc substantivo nesta proposta.
Relativamente ao problema dos assessores, a minha ideia dc que eles não devem ser magistrados não é uma ideia fechada. Aliás, não é tanto pelo efeito negativo do pre--julgamcnto. Esse é um efeito que sc deve ponderar c é menos possível que sc verifique sc estivermos diante dc um nüo magistrado. Aqui funciona um pouco a deformação profissional dc quem faz c dc quem pede a consulta. Era bem possível que o juiz do tribunal superior dissesse ao colega, que já está habituado a julgar, que lhe desse uma opinião.
Há sempre um «já que» que acaba por permitir sempre que os lais efeitos perversos, que afinal talvez encontrássemos também nos assessores, possam funcionar mais facilmente do que sc estivermos a funcionar com um ou outro elemento dc uma categoria profissional diferente c que não nos deixa tão à vontade para tal o «já que».
Mas há outro aspecto que também me parece importante. É que o que está aqui cm jogo é uma filosofia dc carreiras c uma filosofia orgânica. O que precisamos dc saber c sc os assessores constituem, ou não, um quadro dc serviço dc apoio, isto é, sc vamos configurar os serviços dc apoio aos tribunais numa perspectiva moderna. Quer dizer, ou vamos ficar agarrados aos oficiais dc justiça, aos oficiais judiciais, ao escrivão, ao adjunto c ao secretário judicial ou vamos fazer nos tribunais, c dc uma vez por todas, o que hoje não deixa dc acontecer na mais modesta empresa, c que é ter um serviço lécnico, um serviço administrativo c um serviço dirigente. Um serviço dirigente será constituído pelos magistrados, ao serviço administrativo correspondem as actuais secretarias, a meu ver reformuladas, c o serviço lécnico dc apoio jurídico, ao qual pertencem os assessores. Sc for esta a filosofia, então os assessores não devem ser magistrados; sc não for esta a filosofia, então os assessores podem ser tudo, desde que sejam licenciados cm Direito, magistrados judiciais ou do Ministério Público, advogados, assistentes, etc.
E outra vez uma questão dc filosofia dc fundo, é preciso saber que tipo dc sloff dc apoio queremos prestar aos magistrados c que tipo dc organograma queremos propor para um funcionamento judicial. Pessoalmente, c não sendo um legalista, entendo que a lei nunca consegue impedir as suas próprias perversidades, continuando a utilizar o mesmo termo. Penso que aqui, embora não tenha havido a intenção dc criar o quadro lécnico dc apoio aos tribunais, podemos permitir que a lei o crie ao nível do Supremo Tribunal dc Justiça c progressivamente o venha a estender às relações c eventualmente a alguns tribunais dc 1.* instância, onde, dc facto, mc parece que sc põe o grande problema.
Já agora, sc mc permitem um pequeno parênteses, que, não tendo directamente a ver com este problema, no fundo, talvez tenha, referir-mc-ia à questão da contingcniação dc processos. Hoje parece evidente que a contingcniação tem dc existir. No entanto, penso que cia não pode deixar dc ser considerada na perspectiva da reformulação dc toda a legislação que tem a ver com a orgânica judiciária portuguesa. É que, no fundo, a contingcniação leva a que o juiz continue a fazer exactamente a mesma coisa que faz cm menos processos. Ora, pergunto sc nüo seria preferível, sem diminuir .significativamente o número dc processo, que sc diminuísse aquilo que o juiz faz nos processos. Isto é, sc