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II SÉRIE — NÚMERO 82

fazer a prova da justa causa, acabou por julgar ilícito ao cabo de um processo em que o patrão e empregado tiveram de enfrentar-se numa situação de conflito aberto e de choque pessoal.

Está-se perante uma justa causa superveniente que não ameaça de forma desproporcionada a estabilidade do emprego, até porque ela só pode funcionar precedendo uma decisão judicial, ou seja, rodeada da garantia do juiz.

5 — Quanto ao artigo 2. °, alínea s). — Esta norma permite que, não obstante ter sido decretada judicialmente a suspensão do despedimento, a entidade patronal suspenda a prestação de trabalho do trabalhador que antes despedira, embora pagando-lhe a respectiva retribuição e, se for representante sindical ou membro da comissão de trabalhadores, consentindo que ele continue a utilizar as instalações da empresa para o desempenho das respectivas funções.

Esta norma — como, de resto, o Tribunal decidiu — não viola o artigo 210.°, n.° 2, da Constituição, na parte em que aqui se dispõe que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas [...]».

É que esta obrigatoriedade há-de ser entendida nos exactos limites que lhe marcar a ordem jurídica: a decisão judicial obriga nos termos do seu próprio conteúdo (do seu sentido), tal como este é modelado pela lei.

Ora, a norma em apreço apenas significa que o sentido da decisão judicial que decrete a suspensão do despedimento é, nalguns casos, o de impor a reintegração do trabalhador despedido com todas as consequências daí decorrentes; mas, noutros casos, o seu sentido é unicamente o de obrigar a entidade patronal a pagar os salários ao trabalhador que despedira, e bem assim, se for o caso, o de consentir que ele utilize as instalações da empresa para o desempenho das funções de eleito dos trabalhadores.

Para além disso, e agora contrariamente à tese que fez vencimento, entendemos ainda que ele tão-pouco viola o direito fundamental ao trabalho, reconhecido no artigo 59.° da lei fundamental.

Decerto que entre as dimensões deste direito vai incluída a que respeita ao próprio «exercício» de uma actividade laboral — ao exercício efectivo do trabalho — enquanto uma das expressões essenciais da realização de cada homem como pessoa. Seria essa dimensão do direito ao trabalho — e só ela — a que poderia estar aqui em causa.

Simplesmente, ainda aceitando que, nessa sua específica dimensão, um tal direito assume não apenas a natureza de um «direito social» (cujo conteúdo «positivo» corresponderá, em via de máxima, à «incumbência» que é cometida ao Estado pelo n.° 3 do artigo 59.°), mas também a natureza de uma «liberdade» (a que corresponderá o dever «negativo», quer do Estado, quer das entidades privadas, de se absterem de condutas que obstem ao exercício do trabalho), certo é também que não poderão deixar de reconhecer--se «limites» a essa mesma dimensão do direito em causa. E tanto mais quanto do artigo 59.° se não retira o «direito subjectivo a um concreto posto de trabalho» (neste sentido, por todos, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.a ed., vol. i, p. 319, nota ni).

Ora, entre tais limites não pode deixar de contar-se, obviamente, aquele que decorrerá da possibilidade de

o empregador fazer cessar unilateralmente a relação de trabalho, quando se verifique um fundamento legal para tanto, e designadamente um fundamento «disciplinar». De tal modo que não poderá já considerar-se como uma manifestação do direito ao trabalho, constitucionalmente protegida, a pretensão de o trabalhador continuar no exercício da sua actividade, apesar de ocorrer um motivo que legalmente legitima a cessação do vínculo laboral.

É claro, porém, que podem a entidade patronal, por um lado, e o trabalhador, por outro, divergir, quanto à verificação do fundamento para a cessação do contrato — o que conduzirá a que se abra um contencioso entre ambos, que cabe ao tribunal competente dirimir. E, então, dir-se-á — e é exacto — que até à decisão final da correspondente acção não é ainda certo, nem que aquela entidade esteja «legitimada» para impor a cessação unilateral do vínculo laboral, nem que, por isso, seja «ilegítima» a pretensão do trabalhador a continuar no exercício da sua actividade. Mas, de qualquer modo, cria-se, a esse respeito, uma situação provisória, ou de Ínterim — na qual há-de considerar-se igualmente lícito e legítimo que o trabalhador alegue a «improcedência» da causa de despedimento (e a consequente invalidade deste), e que a entidade patronal sustente posição contrária. Está-se, por conseguinte, perante uma situação de nítido conflito entre dois direitos, que contrastam irremediavelmente na sua pretensão a efectivar-se. Ora — e é essa a questão — imporá a Constituição que, em nome do direito ao trabalho, tal conflito haja de resolver-se pela «anulação» completa (ainda que provisória) do direito da entidade patronal, e pela prevalência absoluta (ainda que também provisória) do direito do trabalhador, embora condicionada a uma decisão judicial nesse sentido?

Eis o que não entendemos. E isso, por se nos afigurar que conferir um tal alcance ao direito do trabalho (na sua específica dimensão aqui em causa, como direito ao exercício efectivo da actividade laboral) é atribuir-lhe uma extensão «excessiva», uma extensão que, constitucionalmente, ele (nessa sua mesma dimensão) já não comporta.

O que em semelhante situação de conflito a Constituição exige é uma solução «equilibrada» (dir-se-á: segundo o critério da «concordância prática») entre os dois interesses ou direitos contrapostos; e o que o direito ao trabalho, em particular, postula é que o seu núcleo mais irredutível, e que tem a ver, obviamente, com a própria «subsistência» do trabalhador, seja aí preservado. Ora, isso logra-se já obter com o regime legal para que se aponta na disposição em apreço. (Tal como se logra com ele obter também, e de resto, a preservação do essencial do direito de liberdade sindical, e de direitos afins dos trabalhadores — na medida em que, relativamente a trabalhadores com funções sindicais ou similares, sempre a concessão da providência cautelar da suspensão do despedimento implicará o direito de acesso dos mesmos ao local de trabalho, para o exercício de tais funções.)

José Manuel Cardoso da Costa — Messias Bento.

Declaração de voto

Vencido, nos termos da declaração de voto conjunta dos Ex.mos Srs. Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento.

Armando Manuel Marques Guedes.