O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE JUNHO DE 1988

1588-(25)

do contrato, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato; assim, nomeadamente, e por princípio (sujeito, no entanto, a restrições que serão oportunamente indicadas), o trabalhador que tenha cumprido diligentemente a sua prestação não pode ser responsabilizado pela frustração do resultado pretendido.

Cabe, no entanto, sublinhar que o dizer-se que é a actividade do trabalhador que preenche, do seu lado, o objecto do contrato não esgota a realidade. Pode entender-se, à luz de indicações legais precisas, que o trabalhador cumpre a sua obrigação contratual embora esteja inactivo; na prática das relações laborais, é frequente tal situação de temporária inactividade, sem que por via dela haja que pôr-se em causa a existência do comportamento devido pelo trabalhador. Num estaleiro de construção naval, as obras a realizar em certo dia apenas requerem vinte soldadores; os restantes poderão, embora presentes no estaleiro, ficar parados nesse dia ou em parte dele, a não ser que a entidade patronal encontre tarefas compatíveis para lhes atribuir. Um estabelecimento comercial encerra por dois dias para limpeza e arranjo das montras, trabalhos que ocuparão apenas alguns dos seus empregados; os outros ficarão sem prestar serviço efectivo durante aquele período. Outros exemplos se poderiam apresentar, aliás na linha do que inicialmente se afirmou como sendo o fenómeno formalizado pelo contrato de trabalho: a alienação ou transferência da disponibilidade da força de trabalho. Aqueles trabalhadores inactivos permanecem, com efeito, à disposição do empregador e aí reside o essencial da chamada obrigação de trabalho. Assim, quando se aponta a actividade do trabalhador como objecto do contrato quer-se meramente significar que é esse —a actividade, não o resultado— o especial modo de concretização da força laboral que interessa directamente ao contrato de trabalho; isto sem prejuízo de se entender que o trabalhador se obriga, fundamentalmente, a colocar e manter aquela força de trabalho disponível pela entidade patronal enquanto o contrato vigorar. É óbvio que tal disponibilidade contém a necessitas do serviço efectivo (se, quando, onde e como o empregador determinar), mas o serviço efectivo não esgota o comportamento devido pelo trabalhador com base no mesmo contrato.» (Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 5.a ed., vol. 1, pp. 38, 39 e 40.)

Como daqui se vê, em função do contrato de trabalho, o trabalhador fica à disposição do empregador, que pode utilizar ou não, segundo melhor achar, o serviço efectivo do trabalhador. Não tem o empregador, em principio ao menos, de assegurar sempre tal exercício efectivo.

Esta dimensão do contrato de trabalho, tradicional na nossa ordem jurídica, se a Constituição a tivesse querido recusar, por certo teria sido cristalinamente explícita nesse sentido. Ora, tal não sucedeu. Ao contrário, no artigo 59.°, n.° 1, da lei fundamental o que se quis afirmar foi pura e simplesmente que o Estado haveria de garantir emprego, independente ou subordinado, a todos os cidadãos. Mas não houve a preocupação, nesse mesmo preceito, de garantir os exactos termos em que o trabalhador, em caso de emprego subordinado, haveria de prestar a sua actividade ao empregador. Essa questão deixou-a em aberto a Constituição.

Assim sendo, e sem prejuízo do programa que lhe é assinalado por aquele artigo 59.°, não estava o Estado impedido, nessa norma do artigo 2.°, alínea s), do Decreto n.° 81/V, de permitir, em circunstâncias excepcionais, ou seja, até ser em definitivo decidido o litígio acerca da licitude de um qualquer despedimento, que o empregador recusasse ao trabalhador a ocupação efectiva do lugar.

Neste termos, e em última análise, entendi ainda que não se registava violação do artigo 59.°, n.° 1, da Constituição por banda da norma em exame.

Raul Mateus.

Declaração de voto

Não acompanhámos o precedente acórdão em vários e decisivos pontos, e antes entendemos que o Tribunal não deveria ter-se pronunciado pela inconstitucionalidade de qualquer das normas do Decreto da Assembleia da República n.° 81/V submetidas à sua apreciação.

1 — Quanto à «questão prévia» da admissibilidade do pedido. — Também entendemos que uma lei de autorização legislativa ou o correspondente decreto parlamentar são certamente susceptíveis de controle da constitucionalidade — inclusive, preventivo —, porquanto os respectivos preceitos incorporam verdadeiras e próprias «normas» jurídicas e, mais precisamente, normas «legais». Ou seja: porquanto tais diplomas são (ou virão a ser) verdadeiras e próprias «leis».

Para concluir assim basta, porém, considerar, em nosso modo de ver, o específico «efeito normativo» que os correspondentes preceitos de tais leis produzem (ou virão a produzir) no domínio da distribuição da competência legislativa entre a Assembleia da República e o Governo — não sendo necessário, para tanto, perscrutar neles um qualquer outro efeito (externo ou material), que efectivamente não desencadeiam (como a seguir se verá). Assim sendo, desde logo não podemos subscrever integralmente a fundamentação do acórdão quanto à questão prévia em epígrafe.

2 — Quanto ao procedimento da elaboração do Decreto n. ° 81/V. — Contrariamente ao decidido, entendemos que no procedimento da elaboração do diploma em apreço não houve violação do disposto nos artigos 55.°, alínea d), e 57.°, n.° 1, alínea o), da Constituição (direito de participação na elaboração da legislação do trabalho, reconhecido às comissões de trabalhadores e às associações sindicais).

a) Determinante, só por si, desta conclusão é a circunstância de uma lei de autorização legislativa, através da qual a Assembleia da República confere ao Governo competência para modificar a legislação laboral (no caso, a legislação sobre contrato do trabalho) em aspectos compreendidos na «reserva» relativa da primeira, ainda não ser legislação do trabalho. Relativamente às normas de tal lei de autorização — e apesar de nelas dever definir-se não apenas «o objecto e a extensão» daquela, mas igualmente o seu «sentido» —, não vale, pois, a «garantia» consignada nos preceitos constitucionais em causa (e que significativa doutrina configura, não propriamente como um «direito fundamental», stricto sensu, mas antes, quando muito, como «garantia institucional»).

i