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II SÉRIE — NÚMERO 82

órgão detentor do primado do exercício da competência legislativa (o Parlamento) autoriza, permite ou habilita o órgão executivo (o Governo) a, dentro de certos condicionalismos, directamente previstos na Constituição ou a definir na própria lei de delegação, emanar actos normativos com força de lei sobre matérias que a lei fundamental atribui prima facie ao Parlamento como integrando uma reserva relativa de competência.

A natureza jurídica das autorizações legislativas é tema especialmente controverso no plano doutrinário, se bem que, «relativamente ao problema da natureza meramente formai ou formal-material das leis de autorização ou de delegação, julga-se superada a velha doutrina germânica segundo a qual estas leis deveriam ser qualificadas como meramente formais, porque não continham verdadeiras normas jurídicas, isto é, normas gerais e abstractas, válidas no confronto de todos os sujeitos, permanecendo com um conteúdo meramente interno, insusceptível de ser invocado perante os juízes, e praticamente submetido ao jogo das forças políticas.

Hoje, quando os autores propendem para esta qualificação, invocam não já os efeitos meramente internos, mas o facto de os efeitos se verificarem só depois da entrada em vigor da lei delegada. As leis de delegação começariam por ser leis formais sobre a produção jurídica para se transformarem em leis substanciais de produção depois da emanação da lei delegada. Parece--nos de rejeitar esta tese das leis meramente formais, mesmo na formulação matizada que acabamos de expor, porque a caracterização das leis de delegação não deve estar dependente da sua actuação pela lei delegada. A lei de delegação não tem uma natureza diversa das outras leis, acontecendo apenas que as suas normas são formuladas pelo órgão parlamentar para serem aplicadas juntamente com a emanação de leis delegadas» (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4." ed., Coimbra, 1986, p. 630).

Na verdade, alguns autores que ainda perfilham aquela concepção de fundo (a lei de delegação seria uma lei formal por não ter conteúdo verdadeiramente legislativo, isto é, por não conter normas gerais e abstractas susceptíveis de entrarem em vigor aquando da sua publicação em termos que fizessem incidir os seus efeitos sobre a esfera jurídica dos particulares, inovando em relação ao conjunto do ordenamento preexistente) vêm reformulando o seu enunciado em termos de conciliarem as duas vertentes do problema, rotulando as leis de delegação como leis formais-materiais.

É o caso de Vezio Crisafulli, Lezioni di diritto cos-tituzionale, vol. li, 5." ed., Padova, p. 81, onde considera que «às disposições da lei de delegação que contêm os princípios deve-se reconhecer — mas apenas virtualmente — carácter e natureza de actos legislativos em sentido material, embora a sua eficácia (neste aspecto) esteja subordinada à entrada em vigor da norma delegada. Constituem, por isso, normas de eficácia diferida.»

Posicionamento semelhante é o assumido por Carlo Lavagna, Istituzioni di diritto pubblico, 3." ed., Torino, 1979, p. 299, onde considera que «a lei de delegação [... ] não pode ter nenhuma eficácia externa se não se lhe seguir a lei delegada; por isso, se esta não for emitida, aquela permanece como um acto meramente interno do ordenamento constitucional com base na qual não pode ser invocada em sede jurisdicional ou em qualquer outra sede uma pretensão dos particula-

res. Mas se a delegação é usada no sentido de ser emitido o decreto legislativo delegado, a lei de delegação deixará de ter mera eficácia interna, mas coordena-se com a lei delegada, concorrendo com esta para disciplinar uma determinada matéria por ela contemplada.»

Já se viu, porém, que semelhante entendimento é rejeitado por outra doutrina (cf. Gomes Canotilho, ob. cit., loc. cit.).

2 — Como quer que seja, parece irrecusável que as normas de uma lei de autorização legislativa detêm a natureza e a qualidade de normas, nomeadamente para os fins previstos no artigo 278.° da Constituição, legitimando-se assim que, quanto a elas, seja accionado o mecanismo da fiscalização preventiva de constitucionalidade.

Esta qualificação não é minimamente afectada pela circunstância de tais normas assumirem uma muito especial e particular vertente interna: o estabelecimento dos limites do exercício do poder delegado, expressando, por isso, uma relação de confiança entre a Assembleia da República (delegante) e o Governo (delegado).

Mas tais limites não exprimem apenas a essência de uma mera relação interorgânica irrelevante para o conjunto do ordenamento jurídico. São limites com eficácia externa na medida em que, confrontáveis com a Constituição e actuando como parâmetro dos poderes delegados, estabelecem o quadro de alteração do ordenamento vigente ao qual se há-de subordinar a legislação autorizada.

Aliás, a Constituição, ao dispor sobre o instituto das autorizações legislativas, impõe a sua integração em leis que não se distinguem das demais quanto ao seu regime jurídico, salvo no facto de prescrever regras sobre o seu conteúdo obrigatório, nomeadamente quanto à inclusão neste de normas que traduzam o parâmetro aferidor do uso dos poderes delegados.

Estas normas, produzindo efeitos na esfera dos particulares apenas aquando da entrada em vigor do decreto-lei autorizado, aparecem como não sendo exequíveis por si próprias, mas, por isso, e tal como sucede com as normas programáticas, não perdem a sua imediata relevância externa e o seu valor de normas jurídicas.

As normas da lei de autorização são concebidas e pretendidas pela Constituição enquanto normas geradoras do processo legislativo das leis delegadas e por tal circunstância são aplicadas com a emissão destas, sem prejuízo de constituírem desde logo instrumento jurídico-normativo quanto à determinação do segmento do ordenamento em vias de modificação e quanto ao sentido genérico das alterações a introduzir.

O Tribunal Constitucional italiano, chamado a pronunciar-se sobre a entrada em vigor da lei de delegação, decidiu na sua sentença n.° 75, de 25 de Maio de 1957 (in Giuridizione costituzionale, 1957, p. 770), que «a lei de delegação entra em vigor, tal como todas as demais leis, após vacatio legis ou imediatamente, se assim o dispuser [...] e que, se para a produção de ulteriores efeitos se torna necessário o concurso de outros eventos, tal não parece suficiente para justificar a construção de um novo conceito, o da progressiva entrada em vigor da lei, o que poderia \evar à confusão entre dois tipos de factos bem diversos entre si: a integração de uma norma ou de um conjunto de normas no ordenamento (que é a entrada em vigor) e