11 DE JUNHO DE 1988
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a produção do pressuposto de facto ou de direito ao qual possam estar subordinados o nascimento, a modificação e a extinção de situações subjectivas activas ou passivas reguladas pelas próprias normas» (cf. António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, versão policopiada, Lisboa, 1985, pp. 320 e segs.).
De tudo o exposto, adquirida que está a adequação das normas de uma lei de autorização legislativa (ou, no caso, de um decreto remetido para promulgação como lei) ao sistema de fiscalização de constitucionalidade, nenhum impedimento se verifica à apreciação da legitimidade constitucional das normas constantes das alíneas a), d), f) e s) do artigo 2.° do decreto da Assembleia da República.
3 — Encerrado o capítulo que se abriu para dilucidação da questão prévia suscitada, caberia passar ao exame dos diversos temas directamente postos no pedido do Presidente da República.
Todavia, por força do disposto no artigo 51.°, n.° 5, da Lei n.° 28/82, o T. Const., no âmbito dos seus poderes de cognição, não se encontra impedido de abordar questões de constitucionalidade diversas daquelas que vêm postas no pedido relativamente às normas aí referenciadas e cujo objecto constituem.
E, nomeadamente, indagar do seu rigor, aferido à luz das exigências constitucionais impostas ao procedimento legislativo destinado à produção de certo tipo de normas jurídicas, concretamente as normas que possam ser havidas como integrantes do conceito de legislação do trabalho.
Para tanto, não constitui impedimento que o Tribunal haja de se socorrer de factos que, embora não alegados no pedido, foram objecto de publicação em jornal oficial de um órgão de soberania, concretamente o Diário da Assembleia da República, constando, ademais, do processo.
Na sequência do exposto passará a averiguar-se se no processo formativo das normas questionadas pelo Presidente da República foram colididos os direitos atribuídos pela Constituição às organizações representativas dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
Ill — A elaboração da legislação do trabalho
1 — O decreto sob sindicância foi originado pela proposta de lei n.° 35/V {Diário da Assembleia da República, 2.a série, n.° 54, de 9 de Março de 1988), em cuja exposição de motivos se noticiam não só os propósitos e princípios que presidiram à sua formulação, mas também a diversa tramitação observada na recolha das soluções acolhidas no articulado final.
Em conformidade com aquela informação preambular, apura-se que o Governo preparou um «primeiro anteprojecto de diploma que submeteu aos parceiros sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social. As suas análises, críticas e sugestões foram cuidadosamente ponderadas, daí tendo resultado a reformulação do anteprojecto, com a preparação do que, para cumprimento das exigências constitucionais consagradas nos artigos 55.°, alínea d), e 57.°, n.° 2, alínea a), da lei fundamental, foi publicado para apreciação pública na separata n.° 1/87 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 17 de Dezembro.»
De harmonia com o mesmo texto, todas as críticas e sugestões recebidas das diversas organizações de trabalhadores e entidades empresariais foram analisadas
e ponderadas e os debates conduzidos no já referido órgão de concertação «permitiram uma mais ampla compreensão das razões e alcance dessas críticas e facultaram as aproximações possíveis dentro da unidade de regime e das motivações que conduziram o Governo nesta revisão».
Finalmente, para além da ponderação sobre os regimes e instrumentos jurídicos que nas matérias em causa vigoram nos restantes países das Comunidades Europeias, ali se dá conhecimento que foram tidas «em conta as disposições constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias, designadamente sobre os direitos do trabalhador, com realce para o artigo 53.° da Constituição e para a garantia de estabilidade de emprego no mesmo consignada, com proibição de despedimentos sem justa causa ou por razões políticas ou ideológicas».
2 — Como se pode extrair do ofício do Presidente da Assembleia da República de fl. 29 e também do Diário da Assembleia da República, l.a série, n.° 73, de 15 de Abril de 1988, e 2.a série, n.° 66, de 20 de Abril de 1988, não só à Assembleia da República «não foram fornecidas as opiniões das organizações de trabalhadores colhidas pelo Governo durante a apreciação pública a que se alude na 'exposição de motivos' da proposta de lei n.° 35/V, ou seja, sobre o projecto de diploma publicado em separata no Boletim do Trabalho e Emprego, de 17 de Dezembro de 1987», como também nela não se procedeu «autonomamente à audição das organizações representativas dos trabalhadores» sobre a matéria daquela proposta de lei.
Cabe então averiguar se desta ocorrência não resultou afectado, de modo constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o decreto agora submetido à fiscalização deste Tribunal.
A Constituição atribui, nos seus artigos 55.°, alínea d), e 57.°, n.° 2, alínea a), às comissões de trabalhadores e às associações sindicais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho.
Apesar de o texto constitucional não definir o que seja «legislação do trabalho» pode dizer-se que esta há--de ser «a que visa regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais, e suas organizações» (cf. parecer n.° 17/81, Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 16.°, p. 14) ou, se assim melhor se entender, há-de abranger «a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição» (cf. Acórdãos do T. Const. n.os 31/84, 451/87 e 15/88, Diário da República, 1." série, de, respectivamente, 17 de Abril de 1984, 14 de Dezembro de 1987 e 3 de Fevereiro de 1988).
No caso vertente, todas as normas que integram o objecto do pedido respeitam manifestamente à legislação laboral, como logo se extrai do seu mero enunciado, devendo como tal ser havidas sem que, para tanto, algum obstáculo represente o facto de integrarem uma lei de autorização legislativa (um decreto remetido para promulgação como lei).
É que, como já se viu e adiante mais detalhadamente se observará (cf. supra n e infra iv, 2), as leis de autorização, pelo facto de não intervirem directamente no ordenamento jurídico, em termos de aplicabilidade directa, transportam, todavia, parâmetros normativos fundamentais (princípios e directivas) decisivamente condicionadores da legitimidade do decreto-lei autorizado, em termos de se poder afirmar que o essencial