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II SÉRIE - A — NÚMERO 51

Mas seria redutor fornecer do carácter excepcional do segredo de Estado uma explicação estribada apenas nos aspectos referidos. De facto, ele decorre antes, e desde logo, do reconhecimento do direito à informação como direito fundamental e da sua importância como factor que expoentiza a democratização do acesso ao saber (também à educação e à cultura) e restringe os processos de eliti-zaçâo do conhecimento e as consequentes distorções na sua divulgação. Os projectos de lei n." 58/VI e 189/VI, da iniciativa, respectivamente, do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, assumem esta fundamentação restritiva de uma lei, que reconhecem impor-se, sobre o segredo de Estado e desenvolvem-na ao encontro de normas que apresentam grande similitude na inspiração principiolôgica.

Assim:

1 — Verifica-se em ambos o cuidado de reiterar a excepcionalidade do segredo de Estado, para o que o projecto de lei n.° 58/VI produz no seu artigo 2.° o princípio da publicidade dos actos da Administração e o projecto de lei n.° 189/VI enfatiza, raiando a prolixidade, nos artigos 1." e 2.°, o princípio da excepcionalidade.

2 — Procuram ambos recortar um conceito jurídico para a figura. Ele reporta-se a informações, objectos e documentos cujo conhecimento e cuja divulgação sejam susceptíveis de causar grave dano à ordem constitucional, à independência nacional e à segurança interna e externa do Estado.

As diferenças de linguagem que separam, neste particular, o projecto de lei n.° 58/VI são diminutas. Do ponto de vista técnico-jurídico regista-se como denominador comum o recurso a uma tipificação contentora de elementos normativos (v.g. «causar grave dano»), sem que os mesmos apareçam balizados/ilustrados por concretizações. Essas concretizações poderiam ter o alcance de atenuar a vagueza numa zona que é reconhecidamente escorregadia e causadora, para o intérprete/aplicador da norma, de enormes dificuldades.

3 — Ambos os projectos estruturam um leque de competências para a classificação, a qual é cometida a titulares dos órgãos de soberania: Presidente da República, da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Ministros da Administração Interna, da Justiça, Defesa, Finanças e Negócios Estrangeiros, no caso do projecto de lei n." 58/VI; Presidente da República, da Assembleia da República e Primeiro-Ministro, no caso do projecto de lei n.° 189/VI.

Não é totalmente nítida a fundamentação que terá presidido à opção, por parte do projecto de lei n.° 58/VI, do concreto elenco de membros de governo a que se refere (idêntico problema não coloca o projecto de lei n.° 189/ VI: aí, independentemente do juízo que se formula sobre a bondade da solução, identifica-se a preocupação restritiva que lhe subjaz).

4 — São ainda similares as normas relativas à hipótese de uma classificação provisória por entidades diferentes, sempre norteada pelos critérios da necessidade e da urgência.

Assim, a classificação provisória poderá ser cometida ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, aos chefes dos ires ramos das Forças Armadas, aos presidentes dos governos regionais, ao Governador de Macau, aos directores dos serviços de informação da República — em todos os casos, no âmbito das suas atribuições. De sublinhar que o projecto de lei n.° 189/VI atende ainda a hipótese de uma conveniência de classificação excepcional por outros membros do Governo que não o Primeiro--Ministro (aos «Ministros» se refere o n." 1 do seu artigo 9.°).

Esta classificação provisória está em ambos os projectos cingida a prazo curto.

5 — À classificação impõe o projecto de lei n.° 189/VI o dever de fundamentação (artigo 11."), desenvolvendo os dois projectos a mesma filosofia quanto ao processo àes-classificador: ele compelirá ã entidade originariamente competente para classificar.

6 — Nos termos do artigo 14." do projecto de lei n." 189/VI, é a Assembleia da República a instância de controlo dos actos de classificação de matérias como segredo de Estado, esuuturando-se num direito seu à informação, cuja contrapartida é a obrigação de envio, por pane das enüdades competentes, do material necessário a este procedimento.

Diferentemente atribui o projecto de lei n.° 189/VI esta função à CADRA (cujas funções são, aliás, mais extensas, atingindo, designadamente, a apreciação de queixas sobre dificuldades ou recusa no acesso aos documentos, e o parecer obrigatório sobre as propostas de classificação).

7 r— Os dois projectos de lei estruturam um dever de sigilo por parle de quem teve acesso autorizado a matérias sob segredo de Estado.

Este dever, que decorre da concepção de cidadania e suas implicações, não encontra todavia consequências jurídicas explícitas. Os dois projectos consideram esta matéria objecto de legislação especial e não curam de fornecer as traves mestras a que a mesma haja de obedecer.

8 — De referir ainda que o projecto de lei n.° 59/VI impõe ao Governo um prazo para a definição dos aspectos regulamentares relativos ao segredo de Estado.

Na arquitectura geral dos projectos é traço distintivo do projecto de lei n." 189/VI a consagração autónoma dos princípios a que deva obedecer a legislação sobre segredo de Estado e a inoponibilidade deste regime ao exercício das competências dos órgãos de soberania (artigo 4.°). Esta regra atinge o próprio poder judicial, ficando por definir as consequências processuais-penais daí resultantes — aspecto que, de resto, o artigo 7." assume.

As semelhanças entre os dois projectos não obnubilam diversidade na articulação entre os vários centros de poder, ou sedes com competência neste âmbito, sendo a partir deste enfoque que utn e outro têm, quer da natureza restritiva do direito à infamação que o segredo de Estado consubstancia, quer das decorrências do princípio da separação dos poderes neste domínio. Mas essa é matéria que exorbita a vocação deste parecer.

Conclusão: os projectos de lei n.os 58/VI e 189/VI esulo em condições de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 14 de Julho de 1992.— A Deputada Relatora, Margarida Silva Pereira. — O Deputado Presidente da Comissão, Guilherme Silva.

PROJECTOS DE LEI N.os 181/V8 E D90/VÍ (RELATIVOS AO SEGREDO DE ESTADO)

RELATÓRIO E PARECER DA COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS

1 — A última revisão constitucional consagrou o princípio geral da Administração aberta, excepcionando as res-