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II SÉRIE-A — NÚMERO 51

O artigo 268°, referindo-se aos direitos e garantias dos administrados, diz, no seu n.° 2: «os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».

Esta norma é directamente aplicável, embora seja necessário regulamentá-la. No capítulo o (Do direito à informação) da parte iu (Do procedimento administrativo) do Código de Procedimento Administrativo, o artigo 65.° remete a regulação do acesso aos arquivos e registos administrativos para diploma próprio.

É da sua criação que ora se trata.

Foi a segunda lei de revisão constitucional, publicada em 1989, que inuoduziu no texto da nossa lei fundamental este direito dos administrados.

Os documentos na posse da Administração são acessíveis aos cidadãos, respeitadas que sejam as balizas referentes à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, em que a lei pode modular uma menor abertura, no estrito limite necessário à protecção dos interesses, gerais ou privados, ligados a esses domínios.

O direito de acesso ã documentação administrativa é um direito fundamental com dignidade constitucional. E a Constituição da República Portuguesa nao .se limitou a criar uma norma programática, sem impor ao Estado uma verdadeira obrigação nem aos cidadãos verdadeiros direitos, nem criou um direito fundamental cujo exercício esteja condicionado à intervenção do legislador ordinário, num sentido concretizador.

Com efeito, estamos perante um direito aplicável directamente por força da Constituição, apesar de não vir anunciado no titulo ii da parte i da Constituição da República Portuguesa, referente aos direitos, liberdades e garantias, pois é um direito de natureza análoga, limitando-se a Constituição a exigir do legislador ordinário apenas que lhe fixe o prazo máximo de resposta (n.° 6 do artigo 268.°).

E o nosso regime próprio dos direitos, liberdades e garantias é muito exigente. Assim:

a) O preceito constitucional que se lhe refere é directamente aplicável, pelo que vincula quer as entidades públicas quer as privadas, tendo uma eficácia imediata (n.° 1, artigo 18.");

b) Esse direito não pode ser restringido por meio da lei ordinária fora dos casos em que a Constituição o admite expressamente (n.° 2, artigo 18.°) e apenas o Parlamento tem competência para a sua regulamentação legal (alínea c) do artigo 167.°];

c) Nos casos em que a lei os pode restringir, que, no que se refere ao direito de acesso aos documentos administrativos, se limita a matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, a regulamentação não pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional (n.° 3 do artigo 18.°), devendo ater-se ao esUitamente necessário para a protecção dos valores a defender com as restrições previstas (e sem se pôr em causa que os interesses a proteger com o segredo ou o silêncio são tão importantes e, por vezes, até mais do que os que se visam defender com a transparência).

O legislador ordinário, ao regulamentar as zonas de silêncio e os termos em que se exercerá o acesso aos documentos em geral, deve concretizar, com clareza, quem é o titular do direito à informação. Ele deve abranger nao só os administrados como os próprios membros da Administração, ou seja, os funcionários que não tenham acesso directo a documentos que não pertençam aos seus sectores de actividade; e deve também abarcar os estrangeiros, em geral os residentes, ou seja, todos quantos estejam sujeitos à acção administrativa portuguesa.

Por isso, em vez de se falar num direito dos cidadãos, fala-se num direito de todas as pessoas.

2 — O segredo, regra de ouro do antigo regime, resistiu durante o século xix aos princípios da nova ordem revolucionária e manteve-se mesmo nos textos legais do século xx, qual arcana regni, como se ele não fosse de uma total incompatibilidade com os princípios e as necessidades das democracias modernas, que implicam «a democracia administrativa», uma vez que, enquanto, por um lado, a acção do Estado se vai estendendo a todos os sectores da vida em sociedade, por outro a crença democrática no papel fiscalizador dos Parlamentos esbarrou, sem superação possível, nas barreiras crescentes dos limites dos mecanismos democráticos institucionais.

Os modelos adminisuaiivos clássicos, desde o liberal ao marxista, concebendo a Adminisuaçáo como se uma organização unida, centralizada e hierarquizada, simultaneamente instrumento do poder político e de dominação, implicam a defesa natural da manutenção dos administrados à distância.

E é isto que está em causa por toda a parte, na situação actual, em que as ideias de participação, democracia e transparência se impõem. Os novos tempos vieram questionar o tradicional hennetismo administrativo resultante de uma invocada necessidade de opacidade da técnica organizativa da Administração. Esta revolução & bem patente na Recomendação n.° 854 da Assembleia do Conselho da Europa de 1 de Fevereiro de 1979 e na Recomendação do seu Comité de Ministros R (81) 19, de 25 de Novembro de 1981.

Num momento em que a agenda da vida pública se centra na participação dos cidadãos, na fiscalização da actividade dos funcionários públicos, no exercício de direitos, liberdades e garantias, a informação adequada tem de ser disponibilizada, o que implica que a regra seja a publicidade e o segredo a excepção.

O princípio da publicidade dos documentos apoia-se nas ideias do controlo da burocracia e do governo justo, como meio de garantir a imparcialidade da Administração. Se a actividade dos órgãos públicos diz respeito a todos os cidadãos, então itnpõe-se que, numa sociedade democrática, as autoridades informem amplamente os cidadãos dessas actividades.

Esta regra de publicidade implica que o acesso aos documentos respeitantes às actividades públicas seja aberto não só aos meios de comunicação social como, ein geral, aos cidadãos, para que estes possam escolher livremente as informações que pretendem, nos diferentes domínios, independentemente das informações que as autoridades decidam, por si, comunicar. Este princípio da liberdade de acesso às informações referentes aos assuntos públicos vigora desde há dois séculos na Suécia, onde não só marcou toda a Administração Pública, como influenciou a mentalidade geral e o sistema de valores da sociedade. Com efeito, aí considera-se que o (acto de se saber que existe um contfolo do público não só incitou «as autori-