1 DE ABRIL DE 1997
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Assim, nos crimes formais (e, mais genericamente, nos crimes de perigo), será aplicável a lei penal portuguesa, apesar de o agente ter actuado no estrangeiro, desde que a lesão do bem jurídico ocorra em Portugal. Na segunda hipótese — e seguindo a mesma ideia de reforço da validade da lei penal portuguesa — consagra-se um critério que atende à representação do agente, para determinar o lugar em que o crime se teria consumado se a tentativa fosse bem sucedida.
Ainda em sede de aplicabilidade da lei penal portuguesa, introduz-se uma alteração ao princípio da nacionalidade na alínea d) do n.° 1 do artigo 5.° Nesta norma —que, em última instância, visa evitar a fraude à lei por parte de cidadãos que vivam habitualmente em Portugal — deixa de se exigir que a vítima do crime possua a nacionalidade portuguesa. Deste modo, a lei penal portuguesa será aplicável, por exemplo, a crimes sexuais cometidos no estrangeiro por portugueses que habitualmente vivam em Portugal, independentemente da nacionalidade da vítima e de o facto ser também punível pela legislação do lugar em que tiver sido praticado, dando-se, assim, cumprimento à acção comum contra a pedofilia aprovada pela União Europeia.
Por último, respeitando o conhecido princípio segundo o qual o Estado deve julgar quando não pode extraditar, já aflorado no n.° 2 do artigo 31." do Decreto-Lei n.° 43/ 91, de 22 de Janeiro, consagra-se uma regra de aplicabilidade da lei penal portuguesa a agentes cuja extradição haja sido efectivamente requerida, desde que o crime admita a extradição mas ela não possa ser concedida — nomeadamente por lhe corresponder a pena de morte, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 33.° da Constituição.
Em matéria de omissão rectifica-se um notório erro material, resultante da falta de duas palavras que constavam do n.° 1 do artigo 10." da versão originária do Código Penal de .1982. Na verdade, ao identificar como facto criminoso não só a acção adequada a produzir o resultado como a omissão adequada a evitar o resultado, aquela norma equipara literalmente, por exemplo, à acção homicida a omissão que impede a morte de alguém. Ora, o que se pretende, diferentemente, é referir a omissão da acção que evitaria a morte da vítima, isto é, a omissão da acção salvadora.
O regime da suspensão da execução da pena de prisão não é substancialmente alterado. Explicita-se apenas, para harmonizar os n.os 1 e 2 do artigo 50.°, que a aplicação de tal regime depende da eficácia da censura do facto e da ameaça da prisão, por si mesmas ou associadas, se necessário, à imposição de deveres, regras de conduta e do regime de prova pelo tribunal.
No que concerne à liberdade condicional, abole-se a regra de automaticidade consagrada nos artigos 61.°, n.°5, e 62.°, n.° 3. Tendo como objectivo criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa recuperar o sentido de orientação social enfraquecido pela própria reclusão, esta medida deverá, ainda assim, estar sujeita, no caso limite do cumprimento oe cinco sextos da pena de prisão superior a 6 anos, a um requisito de prevenção especial. Por conseguinte, a liberdade condicional não será concedida, naquele caso, se houver fundado receio de cometimento de futuros crimes. Todavia, este novo regime apenas será aplicável às penas por crimes cometidos após a sua entrada em vigor, de acordo com uma regra idêntica à consagrada no artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março.
Em homenagem ao princípio da humanidade do sistema penal, consagrado nos artigos 24.°, n.° 2, 25.°, n.° 2, e 30.°, n.° 1, da Constituição, introduz-se um regime geral de concessão de liberdade condicional após o cumprimento de metade da pena a condenados com mais de 70 anos, relativamente aos quais, aliás, serão certamente menos intensas as necessidades de prevenção de futuros crimes.
O artigo 97.° do Decreto-Lei n.° 783/76, de 29 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 222/77, de 30 de Maio, e 204/78, de 24 de Julho, determina que o tribunal de execução das penas reexamine o caso do recluso de 12 em 12 meses, contados desde o meio da pena, para efeito de concessão da liberdade condicional. Ora, este regime de renovação anual da instância é incompatível com o disposto no artigo 61." do Código Penal, pelo que já hoje se deve considerar tacitamente revogado.- De todo o modo, para elidir qualquer ambiguidade, opera-se a revogação expressa da norma citada.
No que se refere às sanções aplicáveis aos chamados «imputáveis perigosos», elege-se como novo pressuposto da pena relativamente indeterminada, a acrescer aos actualmente previstos, a prática de dois crimes dolosos contra as pessoas ou de perigo comum, a que caibam penas concretas de prisão superiores a 5 anos. Pela sua gravidade, tais factos podem já documentar a acentuada inclinação para o crime que legitima a aplicação daquele regime sancionatório. ^
O limite mínimo da pena relativamente indeterminada é harmonizado com o regime da liberdade condicional, sendo fixado em dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime, sem prejuízo do tratamento mais favorável previsto para maiores de 70 anos (artigos 83.°, n.° 2, 84.°, n.° 2, 85.°, n.° 2, e 86.°, n.° 2).
Por outro lado, respeitando o princípio da proporcionalidade entre o facto ilícito típico e a medida de segurança (artigo 40.°, n.° 3), fixa-se em metade da pena que concretamente caberia ao crime — ou ao concurso de crimes, em cúmulo —! o limite geral do acréscimo de prisão aplicável. Não se julga adequado, por exemplo, que uma pena relativamente indeterminada atinja um limite máximo de 8 anos e 6 meses'a partir de uma pena de culpa de apenas 2 anos e 6 meses de prisão. Além disso, prevê--se expressamente o limite máximo de 25 anos de prisão para tal pena. Na ausência desta previsão, valia o limite geral de 20 anos (artigo 41.°, n.° I), o que comprometia a eficácia do instituto quanto a crimes especialmente graves. Porém, o limite de 25 anos de prisão não é. aplicável a delinquentes por tendência com menos de 25 anos (artigo 85.°), cuja reintegração social se afigura mais viável.
Em todos os casos, promove-se a conciliação da pena relativamente indeterminada com o regime do concurso de crimes e do cúmulo de penas. Deste modo, o pressuposto daquela pena é identificado como uma situação de reincidência, implicando sempre pelo menos uma condenação anterior transitada em julgado. Por seu turno, a própria pena relativamente indeterminada calcula-se tomando em conta um só crime ou a pluralidade de crimes por que o agente venha a ser condenado em concurso.
Sabendo-se que o princípio da culpa não exclui a aplicabilidade de medidas de segurança não privativas da liberdade a imputáveis, contempla-se a aplicação de regras de conduta a reincidentes — incluindo, por exemplo, a proibição de frequência de meios e lugares e de possuir objectos que facilitem a prática de crimes—, a executar após o cumprimento da pena de prisão. Estas regras de conduta já estão consagradas, de resto, no âmbito da