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II SÉRIE-A —NÚMERO 34
No que respeita aos crimes contra o património, esclarece-se que o valor da unidade de conta é o estabelecido nos termos dos artigos 5.° e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 212/89, de 30 de Junho, para efeitos de determinação do valor diminuto, elevado ou consideravelmente elevado da coisa (artigo 202.°). Esta precisão confirma, aliás, a prática jurisprudencial que tem sido firmada.
Aos casos especiais de burla já previstos — burla relativa a seguros, burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços e burla informática— acrescenta-se um novo tipo qualificado, referente ao aliciamento ou promessa de trabalho ou emprego que envolva a deslocação de trabalhadores de um Estado para outro. Na realidade, estas condutas fraudulentas sujeitam frequentemente os trabalhadores a condições infra-humanas, configurando-se como particularmente desvaliosas e censuráveis. Assim se explica que este crime mereça uma pena de prisão até 5 anos ou uma pena de multa até 600 dias — podendo elevar-se, nos casos mais graves, para pena de prisão de 2 a 8 anos — e requeira, no plano processual, a qualificação de público.
A falência não intencional prevista no artigo 228.° é substituída pela insolvência negligente, que também poderá ser praticada pelo devedor que, tendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da sua empresa, não requerer em tempo nenhuma providência de recuperação. Este crime passa a consumar-se mediante a ocorrência e a verificação judicial da situação de insolvência, harmo-nizando-se a conduta típica com o correspondente crime doloso previsto no artigo 227." No caso de se seguir a falência, a responsabilidade penal será agravada, aplicando--se pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias, tal como hoje se prevê no artigo 228.°, e não somente pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 60 dias.
Para além disto, qualifica-se como autor deste crime — e também dos crimes de insolvência dolosa e de favorecimento de credores (artigos 227.° e 229.°, respectivamente) — quem exerce de facto a administração da pessoa colectiva, sociedade ou associação de facto. Tal regime não prejudica, porém, o disposto no artigo 12.° do Código Penal.
No domínio dos crimes contra a vida em sociedade a alteração da norma que prevê a subtracção de menor (artigo 249.°) destina-se apenas a reforçar a indicação de que se contempla um crime contra a família, que não afasta a eventual aplicabilidade das normas incriminadoras do sequestro (artigo 158.°) e do rapto (artigo 160.°).
A discriminação racial, concebida como crime contra a Humanidade no artigo 240.° do Código Penal, é tipicamente alterada de modo a abranger a discriminação nacional e religiosa. E o crime passa a poder ser cometido através da negação pública de crimes de guerra ou contra a paz e a Humanidade, feita com o intuito de incitar à discriminação racial ou de a encorajar. Trata-se, em todos os casos, de dar cumprimento à acção comum adoptada, sobre a matéria, pela União Europeia.
No âmbito dos crimes de perigo comum qualifica-se o crime que envolva engenho ou substância capaz de produzir explosão nuclear, cuja perigosidade excede, largamente, a representada pelas demais condutas previstas no artigo 275." Ainda no artigo 275.°, n.° 3, procede-se à expressa equiparação de arma cujo uso e porte dependa de licença de que o agente não seja titular a arma proibida. Esta solução é enformada por uma orientação restritiva relativamente a armas de fogo, que concebe como excepcional a concessão de licença de uso e porte de arma.
Nesta perspectiva, o crime não constitui um ilícito típico essencialmente baseado na desobediência, fundamentándole, sobretudo, na possibilidade de criação de perigo para um conjunto indeterminado de bens jurídicos.
Por outro lado, modifica-se a previsão típica da poluição (artigo 279.°). Fazer depender o âmbito da incriminação, em absoluto, de prescrições ou proibições administrativas (artigo 279.°, n.° 3) constitui solução duvidosa, ante o princípio da legalidade. A mera referência à violação de disposições legais ou regulamentares, constante do n.° 1 do artigo 279.° (à semelhança da menção contida no crime de danos contra a Natureza, no artigo 278.°, n.° 1), não resolve o problema por que tenderia a criminalizar todo o direito de mera ordenação social vigente nesta matéria. Por isso se introduz o conceito de «poluição grave», que se explicita através do prejuízo do bem-estar humano na fruição da Natureza, da impossibilidade de utilizar recursos naturais e do perigo de desaparecimento de espécies animais ou vegetais.
A tutela da segurança das comunicações é reforçada por uma modificação respeitante à captura ou desvio de aeronave, navio ou comboio (artigo 287.°). Esta alteração refere-se à captura ou desvio de veículo de transporte colectivo de passageiros, conduta que, presentemente, não é contemplada pela descrição típica. Por razões de igualdade, tal conduta deve ser incluída na previsão do artigo 287.°, embora mereça punição menos severa.
Nos artigos 288.° e 290." passa a prever-se autonomamente o atentado à liberdade de circulação ou à segurança do transporte, ainda que dele não resulte perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de elevado valor de ninguém. Na verdade, esta conduta, por si só, possui já uma ressonância ético-jurídica que justifica a punição. As condutas que envolvam a criação de perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de elevado valor continuam a ser contempladas, nos termos presentemente previstos, promovendo-se apenas um acerto das penas de prisão cominadas no artigo 290.°
Por outra parte, esclarece-se que, para efeito de punição pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.°), vale a regra de conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado em teor de álcool no sangue genericamente consagrada na alínea a) do n.° 1 do artigo 5." do Decreto-Lei n.° 111/94, de 3 de Maio. Tal regra baseia-se na correspondência entre 1 mg de álcool por litro de ar expirado e 2,3 g de álcool por litro de sangue.
São quatro os crimes contra o Estado suj&tos, a. alterações significativas: mutilação para isenção de serviço militar (artigo 321.°), tráfico de influência (artigo 335."), desobediência (artigo 348.°) e falsidade de depoimento ou declaração (artigo 359.°).
Na primeira situação descrimina-se a automuú\ação, conduta sem dignidade punitiva, à luz do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, em tempo de paz e numa ordem jurídica que consagra a objecção de consciência (artigo 276.°, n.° 4, da Constituição e Lei n.° 7/92, de 12 de Maio). A heteromulilação com o mesmo objectivo, hoje especialmente prevista no artigo 321.°, alínea b), passará a subordinar-se, por seu turno, ao regime do consentimento do ofendido, contido nos artigos 38.° e 149°
No segundo caso retoma-se, em substância, a fórmula aprovada pela Assembleia da República, no artigo 3."-B, 192 da Lei n.° 35/94. Esta fórmula é mais ampla do que a consagrada no artigo 335.° porque contempla as hipóteses