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1 DE ABRIL DE 1997

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praticado contra o cônjuge (ou contra quem conviva com o agente em condições análogas) e criminaliza-se a violação de regras de segurança no trabalho. No primeiro caso permite-se ao Ministério Público que inicie o processo quando o interesse da vítima o exigir. Pretende-se, assim, assegurar uma defesa efectiva de pessoas sujeitas a ofensas reiteradas no âmbito da instituição familiar. A exigência de queixa do ofendido pode, nestas situações, assegurar a impunidade do agente do crime, mediante o constrangimento da vítima. No segundo caso pretende defender-se quem preste serviço a um empregador da criação de perigos para a vida ou para a integridade física — ao nível da ofensa grave prevista no artigo 144.°—, tutelando-se ' o direito à segurança no trabalho —artigo 59.°, n.° 1, alínea c), da Constituição.

No âmbito dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, as alterações introduzidas visam reforçar a tutela do bem jurídico, correctamente identificado como liberdade sexual.

Deste modo, alarga-se o conceito de violação, que passa a abranger, para além da cópula e do coito anal, o coito oral, seguindo-se a orientação consagrada no Código Penal francês de 1994. Estas formas de penetração sexual constituem, de acordo com os estudos da psicologia e da psiquiatria, violações da liberdade da vítima, identicamente intensas e estigmatizantes. De resto, a defesa da liberdade de procriação, que só é afectada por uma violação que envolva a cópula, é assegurada, autonomamente, pela agravação especial decretada no artigo 177.°, n.° 3.

São introduzidos novos crimes contra a liberdade sexual, concebidos como modalidades menos graves de coacção sexual (quando estão em causa actos sexuais de relevo) ou de violação (quando se trata de penetração sexual). As novas incriminações abrangem apenas a extorsão de favores sexuais através de ameaças ou ordens provenientes de quem detenha uma posição de autoridade laboral ou funcional relativamente à vítima. Em tal situação pode não existir ainda a ameaça grave requerida na coacção sexual (artigo 163.°) e na violação (artigo 164.°), ameaça que, pela sua equiparação à violência, à colocação em estado de inconsciência e à impossibilidade de resistir, pressupõe o perigo de um sacrifício tido como insuportável de bens jurídicos pessoais da vítima ou de terceiro. Todavia, aquela situação representa já uma afectação séria da liberdade da vítima e reclama a intervenção penal.

Aos actos exibicionistas (praticados perante a vítima) são agora equiparados os actos atentatórios do pudor sexual praticados com a vítima (artigo 171.°). Não se trata de consagrar nenhuma concepção de moral sexual, mas de tutelar a liberdade sexual, perante actos que não têm a relevância suficiente para 'serem enquadrados no artigo 163.°, mas cuja ressonância é pelo menos idêntica à do exibicionismo.

No abuso sexual de crianças (artigo 172.°) acrescenta--se às condutas presentemente previstas, que já envolvem a utilização de menor de 14 anos em fotografia, filme ou gravação pornográfica, a exibição ou cedência destes materiais (nomeadamente a sua venda, que pode gerar a agravação de responsabilidade, nos termos do n.° 4). Reforça-se, assim, a luta contra a pedofilia, dando-se cumprimento à acção comum adoptada, quanto a esta matéria, pela União Europeia.

Restringe-se tipicamente o estupro (artigo 174.°), exigindo-se que o agente do crime seja maior de 18 anos. Não faz sentido conceber como agente deste crime um jovem com 16 ou 17 anos —já imputável, nos termos do

artigo 19.° do Código Penal — que mantenha relações com outro jovem com 15 anos. E a referência ao aproveitamento da inexperiência da vítima não parece suficientemente precisa para excluir, liminarmente, uma tal hipótese. Por outro lado, para harmonizar as incriminações do estupro e dos actos homossexuais com menores exige-se também neste último crime que haja abuso da inexperiência da vítima.

Nas disposições comuns respeitantes à agravação de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, altera--se a norma que contempla, entre outras, uma agravação pelo resultado mediante a transmissão de vírus do síndroma de imunodeficiência adquirida (artigo 177.°, n.° 3). A esta hipótese equipara-se a propagação de formas de hepatite que criem perigo para a vida, atendendo à analogia material dos dois casos.

Sendo, em regra, semipúblicos, os crimes sexuais podem ser perseguidos, independentemente de queixa, por iniciativa do Ministério Público, quando «especiais razões de interesse público o impuserem» e a vítima for menor de 12 anos (artigo 178.°, n.° 2). Esta fórmula é ambígua e sugere mesmo que o menor pode ser utilizado como meio de prevenção de futuros crimes. Por isso, ela é substituída por uma expressa referência ao interesse da vítima, que é, afinal, o único a ponderar, legitimamente, pelo Ministério Público. ç

Igualmente em defesa do interesse de menores — bem como de interditos e inabilitados — que sejam vítimas de crimes sexuais, aumenta-se o período máximo de inibição do poder paternal, da tutela ou da curatela de 5 para 10 anos (artigo 179.°). Esta medida é concebida como pena acessória não automática e delimitada temporalmente, em obediência ao disposto no artigo 30.°, n.os 4 e 1, respectivamente, da Constituição. Porém, embora a cessação da inibição não implique, necessariamente, a atribuição do poder paternal, da tutela ou da curatela ao condenado pela prática do crime sexual, o aumento da sua duração máxima justifica-se, atendendo à severidade das penalidades cominadas. Na verdade, vários crimes sexuais são punidos com penas de prisão até 8 anos (artigos 163.°, 165.°, n.° 1, 166.°, n.° 2, 168.°, 169.°, 170.°, n.° 2, 172.°, n.° 1, e 173.°, n.° 1) ou até 10 anos (artigos 164.°, 165.°, n.° 2, 172.°, n.°2, e 176.°, n.° 2), penas essas que podem ainda ser agravadas quando o agente exerce o poder paternal, a tutela ou a curatela sobre a vítima — artigo 177.°, n.° 1, alínea a). Ora, não se compreende que a inibição destes poderes--deveres esteja sujeita a um limite temporal máximo substancialmente mais curto do que o previsto para a pena principal de prisão.

Plena de significado, na perspectiva da liberdade de expressão e informação (artigo 37.° da Constituição), é a supressão do regime estabelecido para o crime de difamação no artigo 180.°, n.° 5. Na verdade, tal norma —cuja eliminação foi propugnada, sem contestação, pela comissão de revisão do anteprojecto de 1987 — exclui a possibilidade de o agente da difamação provar a verdade do facto imputado, quando ele constituir crime e não tiver havido condenação transitada em julgado. Ora, esta restrição impede, tendencialmente, a denúncia pública de crimes ou pressupõe, em alternativa, que o agente logre antecipar o juízo do tribunal na qualificação do facto imputado como crime. Demais, a restrição conduz a resultados absurdos nos casos de extinção da responsabilidade penal, em que a inexistência de sentença condenatória nem sequer indicia a ausência de crime e a falsidade da imputação.