29 DE JANEIRO DE 1998
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da nacionalidade da vítima e de o facto ser também punível pela legislação do Jugar em que tiver sido praticado, dando-se, assim, cumprimento à acção comum contra a pedofilia aprovada pela União Europeia,
Por último, respeitando o conhecido princípio segundo o qual o Estado deve julgar quando não pode extraditar, já aflorado no n.° 2 do artigo 31.° do Decreto-Lei n.° 43/ 91, de 22 de Janeiro, consagra-se uma regra de aplicabilidade, da lei penal portuguesa a agentes cuja extradição haja sido efectivamente requerida, desde que o crime admita a extradição mas ela não possa ser concedida — nomeadamente por lhe corresponder a pena de morte, nos termos do disposto, no n.° 4 do artigo 33.° da Constituição.
Em matéria de omissão, rectifica-se um notório erro material, resultante da falta de duas palavras que constavam do n.° 1 do arügo 10.° da versão originária do Código Penal de 1982. Na verdade, ao identificar como facto criminoso não só a acção adequada a produzir o resultado como a omissão adequada a evitar o resultado, aquela norma equipara literalmente, por exemplo, à acção homicida a omissão que impede a morte de alguém. Ora, o que se pretende, diferentemente, é referir a omissão da acção que evitaria a morte da vítima, isto é, a omissão da acção salvadora.
No que se refere às sanções aplicáveis aos chamados «imputáveis perigosos», prevê-se expressamente o limite máximo de 25 anos de prisão. Na ausência desta previsão, valia o limite geral de,20 anos (artigo 41.°, n.° 1), o que comprometia a eficácia do instituto quanto a crimes especialmente graves. Porém, o limite de 25 anos de prisão não é aplicável a delinquentes por tendência com menos de 25 anos (artigo 85.°), cuja reintegração social se afigura mais viável.
Sabendo-se que o princípio da culpa não exclui a aplicabilidade de medidas de segurança não privativas da liberdade a imputáveis, contempla-se a aplicação de regras de conduta a reincidentes — incluindo, por exemplo, a proibição de frequência de meios e lugares e de possuir objectos que facilitem a prática de crimes —, a executar após o cumprimento da pena de prisão. Estas regras de conduta já estão consagradas, de resto, no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão e da liberdade condicional (artigos 52.° e 63°, respectivamente). Como medidas de segurança, elas são agora subordinadas a um regime de revisibilidade (artigos 103.°, n.os 1 e 2, e 51.°, n.° 3) e a um período máximo de 5 anos, no qual se im--puta a duração de qualquer outra medida idêntica anteriormente decretada (artigo 100.°, n.os 2, 3 e 4).
Os regimes de suspensão e interrupção da prescrição (artigos 120.° e 121.°) são alterados em consonância com a 4.° revisão constitucional (Lei Constitucional n.° 1/97, de 20 de Setembro), que introduziu expressamente, no texto constitucional, a possibilidade de julgamento na ausência (artigo 32.°, n.° 6, da Constituição), e também em articulação com a revisão do Código de Processo Penal, que passa a regular o julgamento na ausência do arguido.
No âmbito dos crimes contra a vida, as alterações respeitam aos crimes de homicídio (artigo 132.°) e de exposição ou abandono (artigo 138.°).
Na previsão do homicídio qualificado são acrescentais vrês novas circunstâncias, contemplando as hipóteses
de o crime ser cometido contra vítima especialmente in-
defesa, por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso.
O acrescentamento de novas circunstâncias referentes a pessoas especialmente indefesas e a graves abusos de autoridade visa reforçar a tutela da vítima perante formas de exercício ilegítimo de poder. A agravação da responsabilidade penal, nestas hipóteses, estende-se a crimes contra a integridade física, contra a liberdade e contra a honra. De resto, esta orientação já estava consagrada nos crimes de maus tratos e rapto (artigos 152.°, n.° 1, e 160°, n.° 3), embora se não contemplasse ainda a situação de gravidez. Por outro lado, a inclusão de uma circunstância relativa à utilização de meios particularmente perigosos procura fornecer uma base de qualificação comum ao homicídio e às ofensas à integridade física, às quais se aplica, remissiva-mente, a técnica de qualificação do homicídio (artigo 146.°, n.° 2). Ainda no artigo 132.° elimina-se a referência a docente ou examinador público, tendo em conta a equiparação vigente entre os ensinos público, particular e cooperativo.
Na descrição típica da exposição ou abandono (artigo 138.°) alarga-se o âmbito da incriminação a todos os casos em que o agente deixe a vítima indefesa, desde que sobre ele recaia o dever de a guardar, vigiar ou assistir. E da violação deste dever — e não da debilidade da vítima— que resulta o carácter desvalioso e censurável da conduta. Assim, praticará o crime, por exemplo, o montanhista que, guiando uma expedição, abandonar um turista, criando um perigo para a sua vida.
Prevê-se, como crime autónomo, a violação dolosa das leges artis da medicina que crie um perigo — igualmente imputável a título de dolo, nos termos gerais do artigo 13.° — para a vida ou um perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde do paciente, solução que era consagrada, em substância, na versão originária do Código Penal de 1982 (artigo 150.°, n.° 2).
A submissão da violação das legis artis ao regime geral de responsabilidade por ofensa à integridade física não é satisfatória porque a observância das leges artis não é configurável como um requisito da restrição típica dos crimes contra a integridade física, operada pelo artigo 150.°, dotado de eficácia idêntica à exigência de finalidade curativa. Se um médico empreender uma intervenção ou um tratamento com fim curativo, violando — mesmo que dolosamente — as leges artis, mas não produzindo qualquer ofensa, não será punível. Ora, tal conduta é suficientemente grave para justificar a criação de um crime de perigo, tanto mais que as dificuldades de prova (da produção de dano) são evidentes neste domínio. Esta norma não obsta à aplicação do regime sancionatório geral do homicídio e das ofensas à integridade física. Ela constitui apenas um modo de antecipação e reforço da tutela penal dos bens jurídicos e só se aplica, subsidiariamente, se pena mais grave não couber ao facto.
Assinale-se que a criminalização da violação dolosa das leges artis não é contraditória com a regra de dispensa facultativa de pena, consagrada na alínea a) do n.° 2 do artigo 148.°, nos casos em que do acto médico não resulte doença ou incapacidade para o trabalho por mais de oito dias. No artigo 148.° estão em causa hipóteses em que se
requer apenas a violação dos deveres objectivo e subjectivo de cuidado, nos termos gerais do artigo 15.°, e não uma violação dolosa das leges artis. Ora, naquelas situa-