24 DE ABRIL DE 1999
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da e prática religiosa no País, e ainda a sua doutrina, organização interna pessoal e patrimonial, poderão inscrever-se como pessoas colectivas religiosas e fazer inscrever os seus institutos ou organizações religiosas e federações (artigos 32.° a 35.°). Têm então direito ao reconhecimento público dos seus direitos colectivos de liberdade religiosa. É a terceira situação.
Finalmente as igrejas e comunidades religiosas inscritas que oferecem garantia de duração pelo número dos seus crentes e por terem mais de 30 anos de existência organizada no País — poderão ser menos se se tratar de igreja ou comunidade religiosa fundada há mais de 60 anos — serão consideradas radicadas no País (artigo 36.°). Esse estatuto possibilita certas formas de colaboração com o Estado que não são decorrência da liberdade religiosa, mas são compatíveis e até exigidas pela Constituição, em nome do princípio da igualdade, em face do regime jurídico da Igreja Católica. Trata-se da celebração de casamentos civis com forma religiosa (artigo 18.°), da colaboração em órgãos de consulta ou gestão do sector (Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas — artigo 24.°, n.° 3 — e Comissão da Liberdade Religiosa — artigo 55.°, n.° 1, alínea b) —, da celebração de acordos com o Estado (artigo 44.°) e da atribuição de uma pequena parte (0,5%), por indicação dos próprios crentes, do imposto que estes pagam, calculada em função dos benefícios fiscais, que se pretendem igualizar, da Igreja Católica (artigo 31.°, n.05 3 e 4). Entende-se que o Estado não deve interferir na forma de ajuda à implantação no País através de colaboração em funções suas na concorrência das confissões religiosas. Seria colaborar com o proselitismo com risco de ofensa da neutralidade religiosa. É a quarta situação.
Adopta-se no entanto um regime transitório (artigo 67.°) tendo em conta a situação existente anteriormente ao 25 de Abril de 1974, em que a política na matéria, seguida pelo regime ditatorial, impedia em muitos casos a prática religiosa em liberdade por várias confissões religiosas.
Quais os efeitos da aplicação do sistema proposto as associações actualmente inscritas no registo do Ministério da Justiça? Os elementos constantes do registo na maior parte dos casos nada dizem, porque não têm que dizer, da história da existência no País nem da realidade social subjacente a cada associação. Por outro lado, a aplicação dos novos estatutos jurídicos depende de actos futuros livres das associações e das comunidades. Presumindo que quem pode ter um estatuto pretenderá alcançá-lo, presunção que só vale tendencialmente — há comunidades religiosas que obtiveram o estatuto, fiscalmente mais vantajoso, de instituição particular de solidariedade social —, faltam estudos adequados da realidade e da história. Com base nas indicações dos próprios, em resposta às consultas da Comissão da Liberdade Religiosa, e nas publicações existentes, muito inadequadas ao objectivo, poderá aventurar-se o seguinte panorama. Das 459 associações inscritas haverá pouco mais de 60 que correspondem a igrejas ou comunidades religiosas diferenciadas, sendo as demais organizações de fim mais restrito ou de âmbito local, criadas pelas primeiras. Destas, pouco mais de 40 poderão e quererão inscrever-se no novo registo. Das inscritas, talvez uma vintena poderá, desde logo, aspirar ao estatuto de igreja ou comunidade religiosa radicada no País.
Releva-se especialmente o disposto no artigo 39.°: toma-se obrigatória a inscrição, passado um ano sobre a entrega do requerimento de inscrição, se entretanto não foi enviada notificação da recusa de inscrição por carta registada ao requerente. Adopta-se, assim, embora com prazo mais dilatado (um ano, em vez de seis meses), a solução da lei aus-
tríaca sobre a personalidade jurídica das comunidades confessionais religiosas de 1997, § 2.°, n.os 1 e 2, a qual assim responde a uma exigência de garantia dos direitos colectivos religiosos, firmada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional austríaco.
VII — Acordos entre pessoas colectivas religiosas e o Estado
A proposta prevê a possibilidade de, por iniciativa das igrejas, comunidades religiosas radicadas no País ou federações, serem celebrados com o Estado acordos que tenham por objecto matérias de interesse comum.
O processo de celebração dos acordos comportará as seguintes fases: apresentação de proposta, audição da Comissão da Liberdade Religiosa, nomeação de uma comissão negociadora, elaboração do projecto de acordo, aprovação em Conselho de Ministros e assinatura pelas partes, apresentação à Assembleia da República e aprovação mediante lei.
A par de outras causas, consagra-se como fundamento de recusa da negociação do acordo a desconformidade das normas internas ou da prática religiosa com as normas jurídicas portuguesas, evitando-se, desta forma, o reconhecimento de normas ou práticas que contrariem o ordenamento jurídico vigente [alínea a) do artigo 46.°].
Para a realização dos fins que se propõem, e sempre que os acordos não envolvam a aprovação de uma lei, podem as pessoas colectivas religiosas celebrá-los com o Estado e com os órgãos das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
VIII — Comissão da Liberdade Religiosa
A Comissão da Liberdade Religiosa deve funcionar como órgão consultivo independente com funções de estudo, informação, parecer e proposta em todas as matérias relacionadas com a aplicação da lei de liberdade religiosa, com o desenvolvimento, melhoria e eventual revisão da mesma lei e, em geral, com o direito das religiões em Portugal.
A Comissão terá igualmente funções de investigação científica das igrejas, comunidades e movimentos religiosos em Portugal.,
No exercício das suas funções, deve competir à Comissão emitir pareceres sobre os projectos de acordos entre igrejas ou comunidades religiosas e o Estado, sobre a radicação no País de igrejas ou comunidades religiosas, sobre a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas e sobre a inscrição de igrejas ou comunidades religiosas que forem requeridas pelo serviço, do registo das pessoas colectivas religiosas. Competir-lhe-á ainda estudar a evolução dos movimentos religiosos em Portugal e, em especial, reunir e manter actualizada a informação sobre novos movimentos religiosos, fornecer a informação necessária aos serviços, instituições e pessoas interessadas e publicar um relatório anual sobre a matéria, bem como elaborar estudos, informações, pareceres e propostas.
A Comissão deve agrupar, paritariamente, três distintos grupos: o designado pelo Governo, o indicado pelas igrejas, comunidades religiosas ou federações, e o constituído por individualidades de reconhecida competência científica na área. Assim se assegura o pluralismo e a neutralidade do Estado nesta matéria.
O presidente, atenta a natureza das suas funções, deve ser designado pelo Conselho de Ministros de entre juristas de reconhecido mérito e por períodos renováveis de três anos. Remete-se a regulamentação do regime dos serviços de apoio