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II SÉRIE-A — NÚMERO 56
A actual isenção do IVA (Decreto-Lei n.° 20/90, de 30 de Janeiro) viola a directiva da União Europeia sobre o IVA (Directiva n.° 77/388/CEE, de 17 de Maio), pelo que a sua manutenção constitui o Estado em responsabilidade. Esta isenção implica uma devolução pelo Estado do IVA já pago
que atinge montantes que alteraram substancialmente as relações financeiras entre o Estado e a Igreja Católica e as D?SS que lhe pertencem, desde 1991. O Estado passou a
«subsidiar» na prática a Igreja Católica, a título de devolução do IVA a instituições suas, criando-se afinal uma situação aproximada da que existia na Itália e na Espanha, quando esses Estados estavam obrigados pelas concordatas então em vigor a contribuir para a sustentação do clero. Ora, o meio que se encontrou em Itália, e se adoptou na Espanha, para substituir o sistema de subsídio do Estado, a cargo de todos os contribuintes, por outro sistema respeitador do carácter não confessional do Estado e do princípio de igualdade, foi criar uma consignação fiscal, facultada aos crentes das religiões reconhecidas, relativamente à própria igreja ou comunidade religiosa, de montante previsivelmente equivalente aos anteriores subsídios. Criou-se assim na Itália em 1985 (aplicada a partir de 1990) uma consignação fiscal de 0,8% e em Espanha de 0,5239% a partir de 1988. Os cálculos feitos apontam para que uma percentagem de 0,5% seja suficiente para compensar da perda não só de isenção do IVA como dos outros benefícios referidos.
A Concordata, além da referida isenção de impostos dos eclesiásticos, prevê apenas que «são isentos de qualquer imposto ou contribuição, geral ou local, os templos e os objectos neles contidos, os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação do clero, e, bem assim, os editais e avisos afixados à porta das igrejas, relativos ao ministério sagrado» (artigo vm). Ora a administração fiscal passou a entender a partir de 1972 (circular n.° 22/72, de 30 de Novembro), em consequência de mudança de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que esta isenção se aplicava não aos bens, mas às entidades administradoras de tais bens, abrangendo os impostos relativos a actividades lucrativas. Assim o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 1988, 2." Secção, processo n.°4776) considerou, por exemplo, que um santuário está isento de impôs-' to de capitais, secção B, relativamente aos juros de depósitos efectuados nas instituições de crédito. A mesma doutrina valeria para os institutos missionários, por força do artigo 11.° do Acordo Missionário, mas já não para as dioceses (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Novembro de 1988, 2° Secção, processo n.°47715). Assim, um colégio de um instituto religioso que tenha missionários está hoje isento de IRC, mas o mesmo não vale para um colégio diocesano. Do mesmo modo quanto ao IRC pelos juros de depósitos bancários.
Este desenvolvimento parece violar a filosofia e o princípio de igualdade do actual sistema fiscal e, nesta parte, da proposta, segundo a qual as actividades com fins diversos dos religiosos, isto é, que não sejam de exercício do culto e dos ritos, de cura de almas, de formação dos ministros do culto, de missionação e difusão da confissão professada e de ensino da religião, mas sejam, por exemplo, de assistência, de beneficência, de educação e de cultura, além das comerciais e lucrativas, estão sujeitas ao regime fiscal desse género de actividades (artigo 20." da proposta).
Entende-se que a subsistência destes benefícios ou a sua inclusão na Concordata, bem como a aplicabilidade dos referidos artigos do Acordo Missionário, em face da alteração de circunstâncias, são duvidosas: justificar-se-ia, portanto, um
acordo com a Santa Sé no espírito de procura de uma solução amigável a que se refere o artigo xxx da Concordata (cf. o artigo 59.° do anteprojecto) que permitisse a adopção de um regime transitório tendente para a aplicação também à Igreja Católica do sistema fiscal proposto, mesmo antes de efectivada a desejável revisão da Concordata.
Em resposta às reivindicações que neste particular domínio foram feitas por igrejas e comunidades religiosas não
católicas, consagra-se a extensão de determinados benefícios fiscais.
No entanto, resulta de tudo o que ficou dito anteriormente que urge uma inovação legislativa que evite as objecções e seja susceptível de aplicação igualitária a todas as igrejas ou comunidades religiosas nas mesmas circunstâncias.
Assim, consagra-se um regime transitório aplicável a todas as igrejas e comunidades religiosas radicadas no País, bem como aos institutos de vida consagrada e outros institutos pelas mesmas fundados, e ainda às federações e associações em que se integrem. De acordo com o artigo 65.°, passa a ser-lhes permitido optar entre o regime actualmente aplicável à Igreja Católica e o regime previsto nos n.05 3 e 4 do artigo 31.° (quota de 0,5% do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares).
Da redacção do artigo 65.° — «poderão optar peio regime previsto no artigo 1." do Decreto-Lei n.° 20/90, de 13 de Janeiro, enquanto vigorar» — resulta que se impõe, no entanto, ao legislador a necessidade de, a prazo, proceder à sua revogação.
Finalmente, e por imperativos de natureza orçamental, difere-se, todavia, no artigo 66.°, a entrada em vigor do novo regime de benefícios fiscais para o momento do início do ano económico seguinte ao da entrada em vigor da presente lei.
VI — Estatuto jurídico das igrejas e outras comunidade religiosas
A proposta prevê quatro situações possíveis, dependentes da realidade social e da vontade das pessoas.
Qualquer grupo de pessoas pode associar-se e reunir com fins religiosos [artigo 7.°, alínea/)], sem precisar de personalidade jurídica para usufruir dos direitos colectivos fundamentais de liberdade religiosa (artigos 21." e 22.°). Esta é a primeira situação possível.
Todas as pessoas colectivas com fins religiosos não católicas têm actualmente o estatuto de associações civis e estão ou podem estar inscritas no registo correspondente do Ministério da Justiça. Têm todos os direitos colectivos de liberdade religiosa dos grupos de pessoas da primeira situação, e mais os que, por natureza, dependem para o seu exercício da personalidade jurídica. Não têm direito ao reconhecimento público, portanto automático, desses direitos, podendo ter de fazer prova do seu carácter religioso para os exercer perante terceiros. Continuará no futuro a existir esta possibilidade, aberta a comunidades ou associações de pessoas com fins religiosos, de adquirirem o estatuto de associações civis (artigo 43.°). As que o têm não o perderão, embora não possam mais estar inscritas senão no registo geral de pessoas colectivas, onde, aliás, estão também inscritas as pessoas colectivas da Igreja Católica (mais de 60Cfô>, e para onde serão transferidos os processos de registo das associações inscritas no registo do Ministério da Justiça, que não se inscreveram como pessoas colectivas religiosas nos termos da nova lei (n.°* 2 e 3 do artigo 64.°). É a segunda situação.
As igrejas e comunidades religiosas que demonstrarem a sua existência em Portugal, isto é, presença social organiza-