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0154 | II Série A - Número 010 | 25 de Outubro de 2001

 

PROJECTO DE LEI N.º 511/VIII
ESTABELECE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EM REGIME NOCTURNO, DE TURNOS E EM FOLGAS ROTATIVAS BEM COMO A REDUÇÃO DA IDADE DE REFORMA COM BONIFICAÇÃO NOS ANOS DE CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL

Exposição de motivos

O trabalho por turnos e em regime nocturno, em Portugal, abrange actualmente cerca de 15,6% da população activa. Abrangendo hoje vastas áreas da produção, é muitas vezes responsável por assegurar o funcionamento de sectores fundamentais da sociedade. A produção, transporte e distribuição de energia, o sistema de saúde, a distribuição de água e alimentos, as telecomunicações, a segurança de pessoas e bens, os transportes públicos e de mercadorias são apenas alguns exemplos de sectores de actividade onde o trabalho nocturno e de turnos é significativo.
Esta lei procura apenas regular os aspectos fundamentais, atribuindo relevo à negociação, contratação colectiva e aos princípios emanados da Convenção n.º 171, da OIT.
Pretende-se assumir uma atitude positiva perante esta realidade social, dotando-a de instrumentos que, assegurando os serviços e produções normais das diferentes organizações, pretendem diminuir as consequências nefastas deste tipo de trabalho - em primeiro lugar - sobre a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras.
A lei tenta incorporar o que de mais avançado existe no conhecimento científico, na perspectiva de que o conhecimento não pode ficar isolado da vida real, devendo privilegiar o contacto com a comunidade onde se insere. O próprio conhecimento científico é disso resultante. Os estudos que têm sido prosseguidos por vários professores universitários - em consequência e ligação com outros estudos a nível mundial - têm tido como base de investigação as próprias empresas e os sistemas que asseguram a funcionalidade da sociedade. Estes estudos científicos são, também por isso, de grande valor. Os técnicos que a eles se têm dedicado têm prestigiado o nome das instituições, universidades ou empresas onde laboram, relevando também o nome de Portugal no panorama científico internacional.
Se a ciência faz parte da vida, à vida deve retornar. Como o seu retorno à vida não é neutral e abstracto importa, pois, aquilatar como o conhecimento científico se pode materializar positivamente em lei, ou seja, em benefício de uma sociedade mais equilibrada e saudável. Importa introduzir factores de prevenção e diminuição dos factores de risco para a saúde. Importa proteger a saúde psicossocial dos trabalhadores, equilibrar relações laborais na perspectiva de que um melhor ambiente de trabalho fomenta e melhora a produção e a responsabilização comum.
O número de trabalhadores e trabalhadoras em regime de trabalho nocturno e de turnos ganha nova valoração se tivermos em conta os efeitos da intolerância àqueles regimes de trabalho: perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho, por vezes mortais e catastróficos, absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce. Estes factores influirão, mais cedo ou mais tarde, de forma pesada sobre os graus de absentismo nas empresas, na estrutura e encargos a suportar pela segurança social. Há, então, que prevenir.
Estudos recentes mostram a crescente presença de mulheres nestes regimes de trabalho. Sob a coordenação da socióloga Heloísa Perista, foi elaborado um estudo, publicado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade, mostrando que o trabalho aos domingos é desempenhado por 43,2% das mulheres e a sua preponderância na agricultura, produção animal, silvicultura, comércio, hotelaria, restauração e sectores da saúde e acção social.
A fragilidade da rede de apoio social e serviços de proximidade acentua o conhecido problema das mulheres, as chamadas jornadas múltiplas de trabalho. Assim, importa compreender a necessidade da motivação social para a introdução de factores de equilíbrio na partilha das tarefas na família, e até na sociedade, e orientações positivas que a lei deve favorecer.
O trabalho por turnos coloca problemas de higiene e segurança no trabalho, ergonómicos e do âmbito da sociologia das organizações, de tal modo importantes que merecem o estatuto de "quadro clínico" nas classificações oficiais de doenças como sejam os casos da ICSD-97, da ICD-10 e da DSM - IV (foro psiquiátrico). As primeiras da Organização Mundial de Saúde (OMS) e a última pertencente à classificação norte-americana.
O próprio Conselho das Comunidades Europeias emitiu em 1993 uma directiva em que recomenda os Estados-membros a assegurarem "que os trabalhadores nocturnos e em turnos tenham direito a uma avaliação da saúde grátis antes de começarem a trabalhar e posteriormente a intervalos regulares ... (segundo) o princípio geral de adaptar o trabalho ao trabalhador".
A contradição entre a ritmicidade do funcionamento humano e a organização de trabalho por turnos traduz-se numa alteração da saúde, que não ocorre a curto termo. Efectivamente, os efeitos do trabalho por turnos, ou nocturno, nem sempre são imediatos, manifestando-se alguns deles a médio ou longo prazo. Actualmente os seus efeitos sobre a saúde, que são mais conhecidos e mais claramente postos em evidência, situam-se nos planos das funções biológicas e psicológicas. Segundo diferentes autores, particularmente Queinnec e col. (1992), estes efeitos resultam da dessincronização dos horários de sono e das refeições.
Ao nível das perturbações das funções biológicas temos a considerar as perturbações gastrointestinais, as úlceras gástricas ou duodenos, as dispensais e as perturbações intestinais, assim como as perturbações da regulação neuro-endócrina e as doenças cardiovasculares (Lille e col., 1972; Demaret Fialaire, 1873; Carpentier e Cazamian, 1977; Angersbach, 1980 in Queinnec e col. 1992).
Entre as perturbações de natureza nervosa destacam-se as cefaleias, vertigens, astenia matinal, angústia, agressividade irritabilidade, hipersensibilidade (particularmente ao ruído), depressão, dificuldades de atenção, assim como as perturbações do sono, do pensamento e de carácter social (Hadengue,1962; Schmidtke, 1969; Taylor; 1969; Akerstedt, Torsval e Theorel, 1976; Cazamian e col., 1976 in Queinnec e col. 1992).
As perturbações do sono são geralmente de natureza qualitativa e quantitativa, verificando-se também que o poder de recuperação proporcionado pelo sono é menor quando se faz o turno da noite ( Lille e col., 1972, Foret, 1976 in Queinnec e col. 1992). Segundo Cazamian (1997), o envelhecimento do trabalhador que tem um horário sujeito a rotações favorece a passagem da fadiga mental profissional a uma situação crónica, que resulta precisamente da qualidade da recuperação durante o sono.