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0831 | II Série A - Número 027 | 03 de Outubro de 2002

 

Não é nada de novo em termos internacionais e, entre nós, é apenas o desenvolvimento da razão que levou à distribuição gratuita de seringas.
A distribuição gratuita de droga, nomeadamente de heroína, a comprovados toxicodependentes, para além de diminuir o risco de lesão dos bens jurídicos protegidos, pode contribuir para a diminuição da criminalidade e, em especial, dos crimes patrimoniais associados ao consumo.
Embora se discuta a relação entre a droga e o crime, parece-me aceitável a conclusão, confirmada em diversos estudos empíricos, que o consumo de droga é um factor relevante da delinquência em relação a determinados universos populacionais, a delinquência é um factor influente no consumo de drogas de outros universos populacionais e, relativamente a outros, existem factores comuns que estão associados ao consumo de drogas e à delinquência.
Seja como for, parece-me igualmente irrefutável a constatação empírica, que a minha experiência também corrobora, que a droga naqueles casos (admito que não seja a maioria) em que não é o factor determinante da prática dos crimes funcionais é, sem dúvida, mais um factor relevante para o aumento de número de crimes praticados por cada agente. Assim, a distribuição gratuita poderia fazer regredir este tipo de criminalidade.
Mas poderia também fazer diminuir o tráfico de droga, não só por restringir a procura mas também por diminuir o envolvimento dos toxicodependentes no tráfico. Como se sabe, os toxicodependentes são aproveitados pelos traficantes como mão-de-obra barata para a realização das tarefas mais visíveis e, por isso, mais sujeitas à repressão.
Tal medida permitiria, assim, reduzir o nível global de criminalidade, o que, além de aumentar a segurança e o sentimento de segurança das populações, faria baixar a pressão que ela exerce sobre as instâncias formais de controlo, permitindo uma reorientação dos meios disponíveis. Para além disso, a distribuição de droga subtrairia uma fonte fácil e segura de lucro dos traficantes, retirando poder económico à criminalidade organizada neste sector.
Reduzir-se-iam, assim, os efeitos perversos da criminalização, criminalização essa que, no essencial, não poderia deixar de ser mantida pelo menos enquanto perdurassem as actuais condicionantes. No combate ao tráfico ilícito empenhariam-se os meios disponíveis, utilizando para tal os meios legítimos do direito penal, com as garantias do processo penal próprias de um Estado de direito. Em traços gerais é esta a via que, em meu entender, deve ser seguida.
Certamente que lhe poderão ser assacadas imperfeições, poderá temer-se a margem de risco que uma distribuição controlada de droga e, nomeadamente, de heroína envolve, podendo recear-se um aumento do consumo das substâncias legalizadas, pelo menos numa fase inicial. Parece-me, contudo, que tais perigos são bastante menores do que aqueles que a actual política acarreta."
O projecto de lei segue esta orientação, definindo um programa-piloto que abrange uma pequena população de toxicodependentes, de tal modo que a sua avaliação permita tomar uma decisão fundamentada acerca da generalização ou não deste princípio de actuação.
O projecto de lei baseia-se igualmente em experiências clínicas realizadas noutros países. A administração medicamente assistida de heroína era prática corrente em Inglaterra até à aprovação do Dangerous Drugs Act (1967), que a interditou. No entanto, tanto a Holanda como a Suíça recuperaram essa orientação, e os resultados clínicos têm aconselhado a continuação dessa intervenção.
Pelas mesmas razões, o Plan Nacional sobre Drogas, em Espanha, tem incentivado essa escolha. A Junta de Andalucia propôs-se, há vários anos, começar a distribuição medicamente assistida de heroína, programa que foi aprovado e entrou em vigor a partir de Março de 2002. Granada e La Línea são as localidades onde se formarão os grupos de toxicodependentes envolvidos neste ensaio clínico. Trata-se de 240 voluntários, maiores de 20 anos e dependentes há mais de três, que receberão 400 miligramas de heroína por dia, repartidas em três doses e sob estrita vigilância médica. Receberão ainda 46000 a 76000 pesetas mensais como contributo para a sua inserção social. O programa terá um custo global de 150 milhões de pesetas, já incluídos no Orçamento da Junta para 2002, dos quais 9 milhões para a compra de heroína. A Catalunha poderá começar igualmente a distribuição de heroína antes do Outono.
Na sequência desta intervenção, o Partido Popular apresentou na Generalitat de Valencia, onde é maioritário, a proposta de estender à região a prática da prescrição medicamente assistida de heroína. Tanto o Ministerio de Sanidad quanto o Plan Nacional sobre Drogas, no âmbito do Ministerio de Interior, apoiaram essa decisão.
Considerando esse conhecimento clínico, considera este projecto de lei que existe uma via de resposta à dependência dos mercados clandestinos e de inserção progressiva nos tratamentos e acompanhamentos pelo Serviço Nacional de Saúde.
Neste sentido, e nos termos constitucionais e regimentais, o Bloco de Esquerda apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Criação do projecto-piloto de prescrição médica de estupefacientes

1 - É criado o projecto-piloto de prescrição médica de substâncias estupefacientes dispostas na Tabela I anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93.
2 - Este projecto-piloto abrange um máximo de 300 cidadãos toxicodependentes residentes em três distritos do Continente.
3 - Os cidadãos a que se refere o número anterior são cidadãos maiores com pelo menos dois anos de dependência de substâncias estupefacientes, que participam voluntariamente no programa criado por esta lei.

Artigo 2.º
Coordenação e execução do projecto

1 - O projecto-piloto é elaborado e executado pelo Ministério da Saúde e pelas estruturas do sistema de saúde que tenham como responsabilidade coordenar e concretizar o tratamento de toxicodependentes.
2 - Cabe às estruturas de saúde referidas no número anterior definir, em função de parecer médico qualificado, a quantidade de substâncias estupefacientes, nomeadamente de heroína, a disponibilizar a cada doente e outras medidas de acompanhamento e de tratamento.

Artigo 3.º
Utilização de substâncias estupefacientes

As substâncias distribuídas sob controlo médico no âmbito deste projecto-piloto serão obtidas através dos laboratórios