0828 | II Série A - Número 027 | 03 de Outubro de 2002
para a saúde do consumidor a longo prazo que derivam do consumo de MDMA. Um estudo recente, publicado por John Cole e Harry Sumnal (Universidade de Liverpool) e Charles Grob (Universidade da Califórnia), no The Psychologist, revista da Sociedade Britânica de Psicologia, argumenta de forma controversa que os efeitos do uso do ecstasy têm sido exagerados, e que não estão suficientemente comprovados os seus efeitos danificadores dos neurónios que segregam serotonina. Entretanto, a Food and Drug Administration dos Estados Unidos aprovou a realização de ensaios clínicos para usar o ecstasy em situações de stress pós-traumático. Em qualquer caso, impõe-se um estudo urgente que seja cientificamente conclusivo, e só a plena informação pode constituir dissuasão e prevenção eficaz, tanto mais que se registam casos de mortes por abuso de consumo.
Esta situação de desconhecimento em relação aos efeitos do MDMA a longo prazo tem favorecido o consumo, muito em especial por parte da juventude que encontra nas suas propriedades de estimulante físico um complemento nos seus rituais de lazer e uma alternativa a outras drogas já legalizadas, como o álcool.
Por outro lado, os relatórios do Observatório Geopolítico das Drogas do final da década de 90 já alertavam para a grande capacidade de alargamento do mercado do MDMA. Ao contrário de outras drogas ilegais como a cocaína, a heroína ou o haxixe, que necessitam de transporte de longo curso para chegar aos consumidores dos centros urbanos europeus, os comprimidos de MDMA podem ser elaborados em qualquer cozinha, desde que o produtor possua os ingredientes químicos necessários e a forma de os combinar (disponível em vários sites na internet). Ou seja, eliminados os custos e os riscos no transporte, os comprimidos podem ser produzidos mais perto dos locais de consumo e tornam-se assim acessíveis a qualquer bolsa. No entanto, a disseminação da produção e a concorrência num mercado sem lei acarreta novos riscos, dos quais se destaca o da manipulação do produto e as suas trágicas consequências.
Os resultados das apreensões de drogas em Portugal continuam a ser um segredo bem guardado pela Polícia Judiciária. Nos últimos meses, sem que os motivos tenham sido esclarecidos, as notícias das apreensões de qualquer substância deixaram de fazer referência à quantidade de droga apreendida e passaram a designar a quantidade de doses. Até hoje não se sabe se esta mudança surgiu apenas para aumentar a confiança dos cidadãos nas brigadas anti-droga - afinal, trinta mil doses soam bem melhor que meio quilo -, mas esta nova estratégia de comunicação levanta outros problemas já que a dose média individual definida pela lei faz referência ao princípio activo da substância, isto é, 500 gramas de heroína pura equivalem a muito mais doses que a mesma quantidade de heroína cortada.
Pelas características acima descritas do modo de fabrico dos comprimidos à base de MDMA, é ponto assente que esta se trata de uma droga de fácil manipulação. Ao contrário das autoridades policiais portuguesas, a Interpol divulgou um dado curioso a respeito das análises às apreensões de ecstasy: numa mesma apreensão de alguns milhares de pastilhas, o teor de MDMA nos comprimidos tinha variações brutais. A polícia alertava então que muitos consumidores compravam "gato por lebre", já que boa parte desses comprimidos não correspondia de facto a ecstasy, contendo antes anfetaminas ou nem sequer isso. As apreensões desta droga pela Polícia Judiciária têm igualmente revelado a adulteração destes comprimidos: de 50000 que terão sido apreendidos em Julho de 2002 e analisados, 20000 seriam falsificadas, contendo uma mistura de MDMA com metanfetamina, o que provoca efeitos de habituação mais graves e pode mais facilmente provocar reacções psicóticas. Álvaro Lopes, director do serviço de toxicologia do Laboratório de Polícia Científica, emitiu em Agosto de 2002 um comunicado sugerindo a importância da divulgação de toda a informação acerca dos produtos apreendidos: "Num momento em que o consumo deste tipo de drogas parece aumentar substancialmente no nosso país, cremos ser importante divulgar este tipo de informação, que poderá funcionar como forma de dissuasão pedagógica".
Atentas a esta manipulação dos traficantes que põe em risco a vida dos consumidores, as autoridades holandesas foram pioneiras na instalação de dispositivos que permitem aferir do teor de MDMA presente em cada comprimido, colocando-os em locais de lazer onde se concentram milhares de jovens - como discotecas ou festas rave - para que estes possam voluntariamente fazer o teste de despistagem. Esta medida, inserida na política de redução de riscos, teve boa aceitação por parte dos utentes desses espaços públicos e serviu para prevenir muitas situações de risco devido a pastilhas adulteradas.
Ao contrário do que foi veiculado nos primeiros anos da sua utilização, o ecstasy não é uma "droga limpa", e hoje é seguro que tem efeitos ao nível cerebral ainda por descobrir em toda a sua extensão. As notícias de mortes sob o efeito de ecstasy surgem associadas à falta de informação sobre o seu consumo (são normalmente casos de desidratação e sobretudo de combinação com álcool ou outras drogas, para além de pastilhas adulteradas). Sabe-se que em Inglaterra, entre 1993 e 1997, o abuso de droga provocou 72 mortes, enquanto que o abuso de anfetaminas provocou 158 mortes. Não são conhecidos dados fiáveis relativos a Portugal.
Por estas razões, o Estado português deve estar atento e responder desde já à alteração do padrão de consumo de substâncias psicotrópicas no país. Sabemos já o que custaram os anos de atraso na resposta eficaz ao aumento do consumo da heroína. Com os 20 anos da receita baseada na repressão, Portugal viu crescer exponencialmente a população toxicodependente, com consequências que continuaremos a sentir nos anos mais próximos de cada vez que for divulgado o ranking europeu de infectados pelo HIV.
O sucesso de uma política de redução de riscos mede-se também pela oportunidade de aplicação das políticas. Não adiantam boas intenções para ficar no mesmo papel onde ainda repousam as salas de injecção assistida ou as equipas de rua, só para citar dois exemplos de medidas concretas aprovados por esta Assembleia. Prevenir já novos casos de morte ou lesões cerebrais graves por consumo de comprimidos adulterados é uma obrigação dos organismos que tutelam a saúde pública nesta área. Uma das formas mais simples e eficazes de o fazer passa pela despistagem voluntária do MDMA em discotecas e nos locais de lazer onde se justifique essa medida, alargando a iniciativa que já está em curso em Lisboa, embora com evidentes limitações devido à sua localização não ser a mais favorável para chegar ao conhecimento dos consumidores. Salienta-se igualmente que os serviços de saúde devem acompanhar em detalhe a investigação científica acerca dos métodos de despistagem e da fiabilidade dos testes, dado que os que estão disponíveis são ainda imprecisos e devem ser substancialmente melhorados (Winstock, Wolff,