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0037 | II Série A - Número 032 | 07 de Julho de 2005

 

Pelo exposto, no entendimento da CNPD, ao invés da actual proposta de lei consagrar o regime do artigo 23.º, seria mais avisado e transparente que esta proposta de lei estabelecesse uma autorização legislativa, cujos objecto, sentido, alcance e prazo fossem definidos com clareza e, assim, legitimasse o diploma o tratamento de dados pessoais que ora se visa instituir.
Não deixará, no entanto, a CNPD de emitir o parecer solicitado sobre o artigo 23.º da proposta de lei que pretende alterar o Orçamento do Estado, uma vez que esta norma estatui um regime atinente à protecção de dados pessoais.

2 - Sobre a constitucionalidade da proposta de Lei (no respeitante ao regime de protecção de dados pessoais)

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os cidadãos têm direito à imagem e à reserva da vida privada e familiar, direito esse que se inscreve no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais.
A captação e gravação de imagens dos cidadãos são restrições desses direitos fundamentais, entendimento vertido e fixado no Acórdão n.º 255/2002 do Tribunal Constitucional.
De acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a restrição de direitos, liberdades e garantias só pode fazer operar-se através de lei (lei formal - Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado), devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ou seja, a CRP, para a restrição de direitos, liberdades e garantias fundamentais, exige, entre outros, dois requisitos:

- A reserva de lei (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP);
- A proporcionalidade da restrição.

A proposta de lei, como tal, preenche o primeiro requisito, pois revestirá, quando aprovada, a forma de Lei da Assembleia da República.
Quanto ao segundo requisito, significa este que a restrição operada no direito fundamental à imagem e à reserva da intimidade da vida privada deve i) limitar-se ao necessário ii) para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Nos termos do corpo do artigo 23.º da proposta de lei (artigo que, na óptica da CNPD, não deve estar numerado, uma vez que tem um corpo único que prescreve a alteração do Capítulo V da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, conferindo nova redacção ao artigo 13.º deste diploma), a alteração do Capítulo V da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, visa "a poupança de recursos financeiros e à racionalização de meios humanos e técnicos".
Este objectivo não é, na óptica da CNPD, um direito ou interesse constitucionalmente protegido que justifique a sua salvaguarda através da restrição de um direito, liberdade e garantia fundamental.
"O segundo pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste em que ela só pode justificar-se para salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (…)".
"As leis restritivas estão teleologicamente vinculadas à salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, ficando vedado ao legislador justificar a restrição de direitos ou bens tutelados apenas a nível infraconstitucional. Torna-se necessário que o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir um dos direitos, liberdades ou garantias tenha no texto constitucional suficiente e adequada expressão".
"Quando a Constituição nada diz, é legítimo invocar qualquer interesse constitucional pertinente, isto é, que tenha alguma ligação com o direito fundamental cuja restrição é suposto justificar".[2]
No entendimento da CNPD, a poupança de recursos financeiros e a racionalização de meios humanos e técnicos parecem não ser fundamento bastante que justifique a restrição de um direito fundamental como é o direito à imagem e à reserva da vida privada.
Diferentemente, a liberdade de deslocação em qualquer parte do território nacional, por exemplo, prevista no n.º 1 do artigo 44.º da CRP, configurada nos termos, condições e requisitos para a "utilização das vias públicas"[3], parece constituir um direito, liberdade e garantia pessoal fundamental cuja concretização pode importar a restrição do direito à imagem e à reserva da vida privada.
Sendo assim, parece à CNPD que a "melhoria das condições de prevenção e segurança rodoviárias" é fundamento que, à luz do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, pode justificar a restrição do direito fundamental constante do n.º 1 do artigo 26.º da CRP, mas duvida a CNPD que o fundamento "poupança de recursos financeiros e a racionalização de meios humanos e técnicos", revista a dignidade constitucional que mereça a compressão de um direito, liberdade e garantia fundamental.
Deve, em consequência e ainda na opinião da CNPD, ser eliminado do corpo do artigo 23.º da proposta de lei o fundamento aí previsto para a alteração do Capítulo V da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, sendo esse