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69 | II Série A - Número: 008 | 30 de Setembro de 2010

2 — Buscando na exposição de motivos que acompanha a proposta de lei as razões justificativas de tão apressadas e cirúrgicas alterações — o espírito do legislador a que os cânones interpretativos mandam atender — surpreendemo-nos com a imprevista preocupação pela elevada qualidade dos magistrados do topo desta magistratura. Tão qualificados que se lhes pretende atribuir o estatuto de insubstituíveis. Tão honroso para os próprios quanto negativo para todos os restantes, pois daí se pode extrair a insinuação que não há nos quadros do Ministério Público quem os substitua de forma satisfatória.
Segundo a exposição de motivos, urge permitir o aproveitamento dos magistrados mais habilitados ao exercício de certa função ou melhor posicionados para finalizar procedimentos já iniciados que atingiram a idade de jubilação, quando têm reconhecidas capacidades e vontade para continuar, nomeadamente «numa altura em que se fazem sentir necessidades de recursos na magistratura do Ministério Público nas mais diversas áreas».
O Governo justifica, assim, que o Conselho Superior do Ministério Público, a título excepcional, por proposta do Procurador-Geral da República e por razões ponderosas de serviço, possa nomear magistrados do Ministério Público jubilados, de qualquer nível hierárquico (Procuradores-Gerais Adjuntos, Procuradores da República e Procuradores Adjuntos, a proposta de lei não distingue) para o exercício de funções no Ministério Público.
Em si, e em abstracto, a ideia de possibilitar, em determinados casos de interesse público, a continuação do exercício de funções por parte de magistrados do Ministério Público, quer no momento em que se jubilam (continuação de funções) quer quando já se encontram jubilados (regresso a funções), não nos merece oposição de princípio.
O artigo 67.º, n.os 3 a 5, do Estatuto dos Magistrados Judiciais prevê já solução idêntica para os juízes jubilados, mas restringe o recurso apenas aos Conselheiros Jubilados.
3 — Em primeiro lugar, a proposta para o artigo 148.º, n.º 3, merece-nos claras críticas quando faz depender da vontade e confiança pessoal do Procurador-Geral da República a escolha daqueles que, de entre os jubilados que se disponibilizaram, irão exercer funções.
Com o sistema proposto, será o Procurador-Geral da República que, sem necessidade de fundamentação ou obediência a quaisquer critérios, que a lei não apresenta, irá determinar que magistrados do Ministério Público jubilados ficam em exercício de funções e os que, pelo contrário, passam à inactividade. Permitirá que o Procurador-Geral da República vá escolhendo, ao longo dos anos, quem fica e quem sai, ficando com aqueles que são de sua confiança e afastando os que não são.
Tal alteração constituirá assim um reforço do pensamento que atravessa as alterações ao Estatuto do Ministério Público feitas em 2008, aquando da lei de reorganização judiciária, e que é o da prevalência de critérios de confiança pessoal sobre os (verdadeiramente republicanos) de concurso e igualdade no acesso à função ou ao lugar.
Será esta mais uma ofensa ao carácter hierarquizado do Ministério Público: se o que verdadeiramente conta é a confiança pessoal do superior hierárquico, este não necessita de emitir formalmente directivas, ordens ou instruções; bastar-lhe-á o «sopro», insindicável por quem quer que seja.
Ora, o exercício de funções de magistrado do Ministério Público, tal sucede com o próprio ingresso nessa magistratura, não deve, não pode, estar dependente de critérios de confiança pessoal, mas, sim, ser regido por critérios objectivos e pré-determinados.
4 — Levantam-se-nos, ainda, sérias reservas quanto à (in)oportunidade destas alterações e quanto à sua não integração numa necessária e efectiva revisão sistemática do Estatuto do Ministério Público.
A premência de proceder a uma revisão sistemática do Estatuto do Ministério Público é reconhecida pela Procuradoria-Geral da República. Desde o início do mandato que o actual Procurador-Geral da República anuncia uma proposta vasta de alterações ao Estatuto do Ministério Público. Para concretizar esse desiderato formou, no âmbito do Conselho Superior do Ministério Público, uma comissão de revisão que, após laborioso trabalho, apresentou propostas de alteração no início do ano em curso — a proposta da comissão foi distribuída e mandada circular pelos membros do Conselho Superior do Ministério Público por despacho de 11 de Fevereiro de 2010, «a fim de no prazo de 10 dias sugerirem as inovações que tiverem por convenientes de forma a serem avaliadas pela comissão que redigiu a proposta». Integram tal comissão Conselheiros nomeados pelo actual Ministro da Justiça e pelo Parlamento. Até ao momento o trabalho da comissão não foi objecto de deliberação final por parte do Conselho Superior do Ministério Público. Curiosamente,