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29 DE MARÇO DE 2017 21

Penalistas como Manuel Lopes Maia Gonçalves5 consideram que a eutanásia se inclui na previsão do artigo

133.º, sendo de assinalar a posição de autor do projeto inicial de Código Penal manifestada, a este respeito, na

seguinte transcrição das atas da respetiva comissão revisora: “Em relação a esta” (a eutanásia ativa) “segue-se

portanto uma solução intermédia: nem se pune como homicídio nem se deixa de punir. Aliás, este crime

privilegiado tem também por função impedir que os tribunais deixem de punir a eutanásia ativa por meio de

recurso ao princípio da não exigibilidade. Pretende-se a sua punição, mas só dentro dos limites do artigo.”

A distanásia – entende o mesmo penalista – não é punida e a ortotanásia, pese embora a sua delicadeza,

tem sido considerada uma ação justificada e como tal sem relevância criminal. Tem sido entendido ser ética a

interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo e sofrimento

ao doente, pelo que tal interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada eutanásia

ativa (eutanásia passiva ou por omissão), assim como também é ética a aplicação de medicamentos destinados

a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de tempo previsível de vida

(eutanásia indireta ou eventual).

Outros juristas ainda defendem que algumas situações de eutanásia são passíveis de se reconduzir não aos

artigos 133.º ou 134.º, mas aos casos referidos no n.º 2 do artigo 35.º do Código Penal (estado de necessidade

desculpante, que pode determinar a atenuação especial da pena ou mesmo, excecionalmente, a dispensa de

pena).

Finalmente, incitar outra pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe ajuda para esse fim constitui o crime de

incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto no artigo 135.º do Código Penal, “se o suicídio vier efetivamente a ser

tentado ou a consumar-se”. Tal crime é punível com pena de prisão até 3 anos, na situação normal, ou pena de

prisão de 1 a 5 anos, “se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer

motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída”.

É de salientar que, não tendo embora Portugal descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio assistido

em relação a pessoas em estado de doença terminal, já admite o testamento vital, que consiste na formulação

em vida de um “documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma

pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta

antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que

deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a

sua vontade pessoal e autonomamente” (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho6, e Portaria n.º 96/2014, de 5 de maio7).8

Perante o disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, sobre o

conteúdo do testamento vital, afigura-se evidente que, no caso português, as diretivas antecipadas da vontade

cobrem a ortotonásia.

Estabelece o n.º 2 desse artigo 2.º o seguinte:

“2 - Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a

vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:

a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;

b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com

as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às

medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;

c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no

sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica

sintomática apropriada;

d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;

e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.”

5 “Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18.ª edição, 2007, Almedina”. 6 “Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)”. 7 Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV). 8 A propósito da conformação do instituto das diretivas antecipadas da vontade, esta legislação acaba por definir também, indiretamente, a ortotanásia e a distanásia, descriminalizando-as.