O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 42

16

neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade

de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não

são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo

todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos

neurológicos'».

Acontece, porém, que esta reflexão não pode permanecer apenas no campo da ética e da moral, sendo

necessária e urgente a apresentação de medidas para o seu correto enquadramento jurídico, em consonância

com os avanços científicos e sociais.

Neste mesmo sentido, destacamos as palavras do ilustre Professor Menezes Cordeiro, de que «há um fundo

ético-humanista que se estende a toda a forma de vida, particularmente à sensível. O ser humano sabe que o

animal pode sofrer; sabe fazê-lo sofrer; sabe evitar fazê-lo. A sabedoria dá-lhe responsabilidade. Nada disso

o deixará indiferente – ou teremos uma anomalia, em termos sociais e culturais, dado o paralelismo com todos

os valores humanos»4(sublinhado nosso).

O artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)5, na redação introduzida pelo

Tratado de Lisboa, veio reconhecer um dever de proteção por parte dos Estados-Membros aos animais,

enquanto seres «sensíveis», embora sujeitos a harmonização6:

«Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do

mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros

terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres

sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos

Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional»7

(sublinhado nosso).

A Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, representa um caminho muito importante na evolução do direito animal

em Portugal e um importante passo ao nível sancionatório, que teve como propósito resolver o que havia sido

deixado de fora da proteção penal existente, respondendo a necessidades prementes de prevenção geral.

Desta forma, aditou-se ao Código Penal um novo Título VI, designado «Dos Crimes contra Animais de

Companhia».

Este avanço no plano do direito penal, acompanhado da evolução ao nível do direito civil, revestiu-se de

grande importância, sendo que não podemos deixar de considerar que ainda há um grande caminho a

desenvolver no plano legislativo e, consequentemente, no plano jurisprudencial, assim como na própria

aplicação da lei já existente.

Um desses caminhos é, tal como se pretende com a presente iniciativa, alargar a tutela criminal que

atualmente é restrita aos chamados animais de companhia. Neste momento, quer o crime de maus-tratos

previsto no artigo 387.º do Código Penal, quer o crime de abandono previsto no artigo 388.º do mesmo diploma,

abrangem apenas animais de companhia.

O legislador pretendeu densificar o conceito de «animais de companhia» com o disposto no artigo 389.º do

Código Penal, todavia, grande parte das dúvidas legitimamente suscitadas não se mostram ainda dissipadas

por este normativo.

«A perspetiva adotada pelo legislador na qualificação como animais de companhia parte de uma visão

antropocêntrica, pelo que o que interessa para a qualificação do animal como sendo de companhia é a forma

como a pessoa que o detém o encara. Efetivamente, um bicho-da-seda, ou um aracnídeo, poderão ser

considerados animais de companhia desde que seja esse o papel que desempenham na vida dos seus donos.»8

Desde as alterações promovidas pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que se tem assistido a um debate

em torno da interpretação e subsequente aplicação dos novos tipos de crime inscritos no nosso ordenamento

jurídico em virtude da entrada em vigor do referido diploma.

4 António Menezes CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil, III, Parte Geral, Coisas, Almedina, 2013, pg. 276. 5 Disponível em http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf 6 Com antecedentes no Protocolo n.º 13 do Tratado de Amesterdão (1997) 7 Jornal Oficial da União Europeia, C 115/47, de 09-05-2008. 8Crimes contra Animais de Companhia. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual, Artur Seguro Pereira, Ebook, CEJ, abril de 2019 (http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_Crime_Animais.pdf)