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II SÉRIE-A — NÚMERO 57

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e perigos significativamente aumentados em virtude da invasão russa da Ucrânia, ao ter sido considerada pelo

invasor como um elemento estratégico da guerra.

Do ponto de vista ambiental, é preciso ter em conta que as várias fases do ciclo da vida dos combustíveis

nucleares produzirem uma quantidade significativa de resíduos tóxicos, o que prejudica grandemente as metas

de prevenção da poluição e aumenta os riscos de acidentes. Estes resíduos não têm qualquer utilidade, são

altamente radioativos e vão continuar a sê-lo por milhares de anos, onerando as gerações futuras – visto não

existir atualmente nenhuma solução tecnológica definitiva, segura e comercialmente viável que possa assegurar

o seu tratamento, utilização ou eliminação.

Além do mais, há três aspetos que importa, ainda, ressalvar. Por um lado, segundo Benjamin K. Sovacool1,

a energia nuclear apesar de ter emissões de carbono menores comparativamente com as do carvão e do gás

natural, tem emissões de carbono superiores ao dobro das emissões da energia solar fotovoltaica e seis vezes

superiores à energia eólica.

Além de mais poluente a energia nuclear tem-se revelado mais cara do que as energias renováveis, já que,

de acordo com o World Nuclear Industry Status Report, do ano de 2021, a energia nuclear custa entre 112 e

189 dólares por MW/h, ao passo que a energia solar tem um custo que varia entre os 36 e os 44 dólares por

MW/h e a energia eólica onshore custa 29 a 56 dólares por MW/h. O mencionado relatório sublinha ainda que,

se os custos da energia solar e eólica diminuíram respetivamente 88% e 69%, os custos da energia nuclear

aumentaram 23%.

Por outro lado, importa dizer que, de acordo com os dados Nuclear Energy Agency da OCDE, se se

aumentasse a produção da energia nuclear em todo o mundo apenas se conseguiria reduzir as emissões de

gases com efeito de estufa em 4%. Para além deste valor ficar muito aquém do que é necessário num cenário

de combate às alterações climáticas, importa sublinhar que, para essa cifra possa ser atingida, seria preciso que

até 2050 se criassem todos os anos 37 novas grandes centrais nucleares. Algo impensável de conseguir devido

à falta de capacidade para produzir os recursos necessários e ao tempo que essa construção leva2, mas também

dado o facto de a nível mundial na última década se ter verificado uma média de apenas 10 novas ligações à

rede por ano. Desta forma e face a estes dados, fica claro que as energias renováveis são as mais limpas,

seguras e competitivas.

Em segundo lugar, esta é uma decisão que poderá ter consequências preocupantes ao nível dos

investimentos na União Europeia. Para o comprovar bastará lembrar dois posicionamentos que surgiram no

processo de discussão desta proposta no Parlamento Europeu. O Banco Europeu de Investimento alertou para

o facto de esta proposta da Comissão poder desacreditar a taxonomia prevista no Regulamento (UE) 2020/852

e gerar perda de confiança dos investidores. Por seu turno, o Institutional Investors Group on Climate Change

afirmou que a inclusão do gás natural prejudica a credibilidade da taxonomia, bem como o próprio compromisso

da União Europeia com a neutralidade climática até 2050, sublinhando ainda que esta seria uma alteração

enganosa para os investidores e que poderia inclusive deslocalizar recursos dos investidores de investimentos

de energias renováveis para investimentos em gás natural.

Em terceiro lugar, importa sublinhar que esta proposta da Comissão Europeia não se revela como uma

alternativa viável a assegurar a independência energética da União Europeia. Desde logo, esta alteração

incentivará a realização de investimentos em novas centrais a gás que aumentariam, em vez de reduzir, a

dependência da UE de gás fóssil importado, algo de negativo em termos geoestratégico, porque, por exemplo,

perpetua a dependência da Rússia e de outros blocos políticos com um historial criticável em matéria de respeito

pelos direitos humanos. Além disso, ao apostar na energia nuclear, que requer urânio, estar-se-ia a criar novas

dependências de países como a Rússia.

Relembre-se que em 22 de fevereiro deste ano, mesmo antes do início da guerra na Ucrânia, o ministro russo

da Energia, Nikolai Shulginov, afirmou numa entrevista ao Energy Intelligence Group, que esta alteração era

muito positiva e traria à Rússia «uma série de oportunidades». No passado mês de junho, o embaixador da

Ucrânia na Alemanha, Andriy Melnyk, lembrando o forte lobby feito pelas empresas Gazprom, Rosatom e Lukoil,

apelou à rejeição desta proposta lembrando que, pelos seus termos, a mesma trará benefícios à Russia e às

1 Dados disponíveis em: https://www.nature.com/articles/climate.2008.99?error=cookies_not_supported&code=1fb75d0b-3299-4440-a52b-f9c84634d137. 2 De acordo com o World Nuclear Industry Status Report, do ano de 2021, estima-se que, desde 2009, o tempo médio de construção de reatores em todo o mundo foi de pouco menos de 10 anos.