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II SÉRIE-A — NÚMERO 58

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Terminam referindo que «65 anos correspondem a um teto máximo» o que significaria que «o juiz tem a

liberdade de determinar a pena mais adequada dentre de uma moldura que vai dos 25 aos 65 anos» pelo que

não consideram os autores existir qualquer violação do disposto na Constituição da República Portuguesa.

PARTE II – Análise

O despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República (Despacho n.º 36/XV) relativo à admissão

do Projeto de Lei n.º 215/XV/1.ª (CH) invoca, como supramencionado, a necessidade de compreender se a

iniciativa legislativa em análise é, ou não, suscetível de se compatibilizar com o texto da Constituição da

República Portuguesa, nomeadamente com o n.º 1 do artigo 30.º

Cumpre, desta forma, apreciar a existência das inconstitucionalidades suscitadas no âmbito do despacho

referido, bem como avaliar se estas são passíveis de serem superadas no decurso do processo legislativo,

assim como apreciar o invocado no recurso apresentado pelos autores da iniciativa.

O artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa estatui que «Portugal é uma república soberana,

baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade

livre, justa e solidária».

Entendem Gomes Canotilho e Vital Moreira que «a dignidade da pessoa humana não é jurídico-

constitucionalmente apenas um princípio-limite. Ela tem um valor próprio e uma dimensão normativa específicos.

Desde logo, está na base de concretização do princípio antrópico ou personicêntrico inerente a muitos direitos

fundamentais»1.

O n.º 2 do artigo 18.º da lei fundamental dispõe que «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias

nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para

salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

Segundo Maria Fernanda Palma, «o direito penal, devido às sanções que historicamente o caracterizam (…)

não se apresenta como um simples fator de organização da vida em sociedade em torno de fins ou valores

específicos (tais como um projeto concreto de sociedade ou a realização de quaisquer objetivos políticos). No

seu cerne, o direito penal tem o papel de juridicizar o próprio poder do Estado de direito democrático quanto à

punição de sujeitos concebidos como pessoas, aos quais é reconhecida dignidade e garantido o direito a um

desenvolvimento pleno. Entendendo-se que a punição é historicamente restritiva de direitos, liberdades e

garantias fundamentais, o direito penal tem de ser justificado pela proteção de valores essenciais da sociedade

e constitutivos da essência do poder do Estado»2.

Todavia, o projeto de lei subjudice prevê a moldura penal de 25 a 65 anos para crimes de homicídio

praticados com especial perversidade, nomeadamente contra crianças.

Como já indicado, por referência à nota de admissibilidade emitida pelos serviços da Assembleia da

República, a idade para a imputabilidade penal é de 16 anos e a esperança média de vida em Portugal é cerca

de 80 anos, o que, consequentemente, tornaria esta pena de carácter materialmente perpétuo, comprometendo

qualquer propósito de reinserção social após o cumprimento da pena.

Tal como refere o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, no seu n.º 2 do artigo

5.º, «o tratamento prisional consiste no conjunto de atividades e programas de reinserção social que visam a

preparação do recluso para a liberdade, através do desenvolvimento das suas responsabilidades, da aquisição

de competências que lhe permitam optar por um modo de vida socialmente responsável, sem cometer crimes,

e prover às suas necessidades após a libertação».

Ainda que se verifique um vasto campo de discricionariedade legislativa na matéria da definição das penas,

a aplicação de sanções criminais de duração indefinida ou ilimitada é expressamente proibida pelo n.º 1 do artigo

30.º da Constituição da República Portuguesa, que estatui que «não pode haver penas nem medidas de

segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida».

Como destacam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o princípio da natureza temporária, limitada e definida

das penas (bem como das medidas de segurança) privativas ou restritivas da liberdade (n.º 1) é expressão do

1 José Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Volume I, 4.ª edição, p. 198 e seg. 2 Maria Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, 2006, p. 47.